De S?o Paulo
Todos sabem que eu odeio o Dia dos Namorados, assim como odeio v?rias coisas, em parte por n?o ter tido a s?lida forma??o crist? da maioria dos meus selecionados leitores, em parte por ser um sujeito sens?vel. Insens?veis pedem pacotes Jumbo de pipoca e entram para assistir um Fellini, numa boa. Insens?veis n?o odeiam coisa alguma, porque eles n?o sentem nada em rela??o ao que os rodeia. Eles devoram o que houver ao redor, compram o resto, v?o passar f?rias em Cancun e pronto.
Sens?veis, n?o. Sens?veis n?o conseguem viver em um mundo no qual reina o ax? e o sertanejo universit?rio, exatamente porque eles costumam ter ouvidos e usos para os ouvidos. Sens?veis n?o conseguem assistir a uma novela de tev? sem serem acometidos por impulsos suicidas. Sens?veis querem desencarnar vendo comerciais de tev?, e ? por isso, por ser um sujeito sens?vel demais, que eu odeio Dia dos Namorados.
Eu simplesmente n?o aguento os comerciais, os apelos, a comunica??o nas ruas, e nas fachadas de motel. Como nos templos evang?licos, quem quer amor, tem que pagar d?zimo e os comerciais est?o a?, no papel do pastor vociferante, e a mensagem ? simples: compre, ou suma.
Falo tudo isso ativado pelo mais odi?vel comercial de todos os comerciais de Dia dos Namorados de todos os tempos, que ? esse que voc?s devem estar vendo, de operadora de celular com m?sica da Legi?o Urbana ao fundo.
Eu nunca compreendi a banda, nunca compreendi o culto ao l?der da banda, nunca entendi as letras da banda, nunca entendi o amor que gente demais, e algumas das pessoas mais inteligentes e sens?veis que eu conhe?o, nutrem por ela. Para mim, os infernais anos 80, que eu vivi ao som de Jo?o Figueiredo, Jos? Sarney e Fernando Collor, foram os anos mais disfuncionais de nossas vidas e do pa?s. E a d?cada ? marcada, para todos n?s, creio, pela Legi?o Urbana e sua vis?o dissonante de praticamente tudo.
Nos mesmos anos, a sensacional banda Smiths, com o sensacional Morrissey, faziam uma m?sica autenticamente desconjuntada no tempo oficial e milim?trica no tempo interno do que eles constru?am. Para mim, disso tudo, o Legi?o aproveitava apenas a liberdade que a desconjunta??o nos traz, preenchendo o espa?o e o tempo com coisas intermin?veis e sem sentido, a historieta do tal Eduardo e da tal M?nica sendo apenas um exemplo do que eu falo. E isso, car?ssimos leitores, representava o mundo para os jovens daqueles anos. Engra?ado ? que eu era razoavelmente jovem, mas talvez tivesse passado do al dente, ao menos em rela??o aos que curtiam Renato Russo e o messianismo aplicado. Eu nunca entendi Osvaldo Montenegro, tomates secos, Retratos da Vida e outras manifesta??es um tanto exageradas sobre a real import?ncia das coisas. Nunca consegui ler Paulo Coelho e todas aquelas palavras com mai?sculas, tais como o Vento, o Velho, o S?bio que o Mago tanto aprecia. Para mim, Legi?o era igualzinho. E ver o diabo do tal comercial agora, associando tudo isso ao especialmente odi?vel Dia dos Namorados, foi demais. Se algu?m foi atingido por partes de uma tev? de plasma que, qual ?nibus, se jogou das alturas, minhas sinceras desculpas. Foi excesso de sensibilidade da minha parte, talvez.
Dia dos Namorados precisa ser banido porque ele nos lembra de que algumas coisas s?o absolutas e que ter ou n?o um amorzinho pra chamar de seu faz de voc? a pessoa mais feliz, ou a menos infeliz que o mundo j? viu. E a verdade ? que namorados n?o precisam de dia, porque eles j? t?m tudo. E a verdade ? que n?o precisamos de comerciais de celular, porque todos ou j? tem um ou j? sabem que precisam de um. E a verdade ? que n?o precisamos de m?sicos messi?nicos, qual pastores, nos dizendo obviedades embaladas em arcadismos.
Precisamos de novas formas de viver a vida e seus amores. Precisamos de novas solu??es para n?s mesmos. Seguramente n?o precisamos de Eduardos e M?nicas, seres tolos e nada adaptados ?s nossas demandas afetivas. Precisamos de algo que n?o est? aqui, e, suspeito, n?o vem com 3G. Talvez o que a gente precise mesmo seja t?o simplesmente de formas mais eficazes de romper com a solid?o que nos atormenta, em especial nas cidades grandes demais onde escolhemos ou precisamos viver.
Em vez de Dia dos Namorados, o que a gente precisa mesmo ? de um conector Tabajara que crie uma fa?sca entre n?s e a pessoa que desejamos, que nos deseja e que permanece ? distancia sem que eu, voc?, Eduardo e seguramente a M?nica, fa?amos a menor id?ia da causa. Talvez seja algo que todo mundo busca e que somente voc?, caro leitor, tenha a resposta. Nesse caso, pro favor, n?o se acanhe, mande logo, porque todos, todos mesmo, estamos ? espera. Manda a?, vai. Manda!
Marcelo Carneiro da Cunha ? escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens est?o sendo produzidos a partir de seus romances "Ins?nia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.Fale com Marcelo Carneiro da Cunha: marceloccunha@terra.com.br
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