Ap�s 7 anos, STF se prepara para julgar aborto de anenc�falo


Marcelo Semer
De S?o Paulo

Uma das gesta??es mais longas do STF est? para ter fim.

O ministro Marco Aur?lio disponibilizou para julgamento a ADPF 54, que aguarda a bagatela de sete anos para ser analisada pelos ministros de nossa Corte Suprema.

Trata-se da autoriza??o de interrup??o da gravidez do feto anencef?lico.

O processo se iniciou em 2004, quando a Confedera??o Nacional dos Trabalhadores na Sa?de (CNTS) ajuizou a??o no STF pretendendo unificar a interpreta??o judicial nos casos em que se descobre que o feto nascer? sem c?rebro.

Houve concess?o da liminar pelo ministro Marco Aur?lio, mas a decis?o foi cassada no mesmo ano, pela maioria do Plen?rio. Mais de vinte institui??es foram ouvidas em audi?ncia p?blica.

De 2004 para c?, a composi??o do STF se alterou, havendo nos meios jur?dicos a expectativa do julgamento de proced?ncia da a??o: em outras palavras, que o tribunal repute como legal a autoriza??o judicial para a interrup??o da gravidez nestas hip?teses.

Na maioria dos casos, tal autoriza??o j? vem sendo concedida por ju?zes e tribunais estaduais, com base em dois bons argumentos.

O primeiro ? que em se tratando de anencefalia, n?o h? propriamente aborto. O aborto pressup?e expectativa de vida, o que n?o ocorre quando h? aus?ncia de c?rebro. Fazendo um paralelismo com a lei que autoriza a doa??o de ?rg?os, o diagn?stico de morte encef?lica j? caracteriza legalmente a situa??o post mortem, exigida para a retirada dos tecidos.

Os ju?zes tamb?m tem se ancorado no princ?pio da dignidade humana. Seria uma ofensa ? dignidade, exigir de uma m?e que suportasse por nove meses a gesta??o de um filho que nascer? sem c?rebro e, portanto, sem vida. Tem-se entendido que o Estado n?o pode impor tal sofrimento ? gestante.

De outro lado, h? quem defenda a proibi??o da conduta pela aus?ncia de regra no C?digo Penal que a autorize. Como se sabe, nossa lei criminaliza o aborto, punindo tanto o m?dico ou a parteira que o realizam, quanto a gestante que o autoriza, com apenas duas exce??es: gesta??o resultado de viol?ncia sexual e aquela que p?e em risco a vida da mulher.

Mas existe uma circunst?ncia que milita em prol dos defensores da autoriza??o judicial: o C?digo Penal de 1940 n?o podia estipular a legalidade desta interrup??o, pois n?o era imagin?vel quando editado, que a medicina pudesse prever a m? forma??o fetal com tamanha anteced?ncia.

E para os que se aferram na letra fria da lei, ou no caso, da aus?ncia dela, uma li??o de recente decis?o do Tribunal de Justi?a de S?o Paulo que enfrentou a quest?o e autorizou a interrup??o da gravidez: ? a vida que faz o direito, n?o o direito que faz a vida.

A falta de uma norma espec?fica, portanto, n?o poderia ser ?libi para a n?o aplica??o de um princ?pio t?o fundamental quanto o da dignidade da pessoa humana. E a jurisprud?ncia do STF cada vez mais se distancia dos primados do positivismo, inclusive para reconhecer que nem todo direito est? contido na lei. Isto seria legalismo, n?o justi?a.

A rigor, n?o se tratando propriamente de aborto, eis que o feto n?o tem perspectiva de vida diante da prenunciada aus?ncia cerebral, nem mesmo a autoriza??o judicial seria necess?ria.

Afinal, n?o cabe aos ju?zes criminais autorizar a pr?tica de um ato legal. Todavia, a retic?ncia dos m?dicos acabou por trazer a quest?o aos tribunais -por sorte, ju?zes das inst?ncias inferiores n?o est?o demorando o mesmo tempo dos ministros para avaliarem tais casos.

O STF deve, sobretudo, fugir ? tenta??o de se embrenhar na quest?o religiosa, resistindo ? forte press?o das Igrejas quando assuntos como esses chegam ?s pautas, seja do Congresso, seja dos tribunais.

Sem desmerecer ou menoscabar os fundamentos e o direito dos religiosos de exp?-los, certo ? que os princ?pios morais tutelados pelos diversos credos s? dizem respeito a seus pr?prios fi?is e, diante da centen?ria separa??o Igreja-Estado, n?o podem ser impostos ao conjunto dos cidad?os.

No ?mbito pol?tico, a pot?ncia dos lobbies religiosos tem demonstrado for?a incomum.

Aparentemente, com o julgamento da uni?o homoafetiva, o STF afastou os riscos de viola??o do Estado laico e nada indica que venha a ceder neste novo julgamento.

? ver pra crer.

Marcelo Semer ? Juiz de Direito em S?o Paulo. Foi presidente da Associa??o Ju?zes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: ess?ncia do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Imposs?vel" (Malheiros) e do romance "Certas Can??es" (7 Letras). Respons?vel pelo Blog Sem Ju?zo.
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