De Salvador (BA)

Salustiano Gomes de Vilhena, meu av? paterno, era maestro. Tocava n?o sei quantos instrumentos e tocou para muita gente boa em sua vida no Theatro da Paz, que paradoxalmente ficava no Largo da P?lvora, hoje Pra?a da Rep?blica. Tenho certeza que a paix?o que desenvolvi pelas artes em geral ? a maior heran?a deixada por ele. Desenvolvi meu (bom) gosto, dei uns retoques aqui e ali no aprendizado nas minhas andan?as pelo mundo, com destaque para a minha forma??o franco-francesa, mas aprendi mesmo a gostar de m?sica e de teatro gra?as a um micr?bio qualquer cultivado no casebre de madeira da Domingos Marreiros 294, no Umarizal, onde nasci e at? hoje reduto da minha fam?lia na capital paraense.
N?o por acaso ao escrever essa coluna quase enlouqueci com a poss?vel programa??o para o final de semana. Estreia de Gabriel Villela e Dib Carneiro Neto no Teatro Maison de France, no Rio. ?nica apresenta??o de Adriana Calcanhotto em Salvador, na grande sala do Teatro Castro Alves, cantando ao vivo e em cores as m?sicas do Micr?bio do Samba. Em Sampa duas ?nicas apresenta??es de Vis Motrix com a Imago do meu colega e amigo, bonequeiro de m?o cheia, Mauro Rodrigues. E em Porto Alegre, Luciano Alabarse se muda de mala e cuia com a turma de Ifig?nia em ?ulis + Agamenon para o Teatro Renascen?a. E eu, que pretensiosamente, muito vezes me tomo por Deus, descubro que sou apenas uma criatura sem o dom da ubiquidade...O que escolherei? Que me perdoem os outros amigos mas fiz a op??o pela m?sica...e hoje ? noite estarei na plateia do TCA aplaudindo Adriana Calcanhotto. Coisa que fa?o com o maior prazer desde maio de 1989, quando numa segunda-feira chuvosa e fria, sentada no Mistura Fina da Lagoa vi a estreia da mo?a e seu viol?o em terras cariocas.
DEIXE-SE CONTAMINAR POR ADRIANA E SUA TCHURMA
Que sou uma apaixonada pelo trabalho de Adriana Calcanhotto n?o ? mais novidade. Mas ? uma paix?o renovada a cada disco lan?ado. E isso se explica pelo fato de estarmos diante de uma artista especial. Uma artista que evoluiu musicalmente e adquiriu com a maturidade um pouco mais de classe. Como se ela n?o fosse desde sempre a pr?pria classe. O que me fascina na Adriana ? essa capacidade de tirar, de quando em vez, um acontecimento da sua cartola. A ?ltima havia sido a Partimpim...teve tamb?m o Saga Lusa... e agora ela ataca de samba.
Confesso que desde comprei o Micr?bio do Samba estou encafifada querendo saber de onde veio a inspira??o para que a mais carioca das ga?chas se metesse a compor sambas. A explica??o vem da pr?pria dizendo que, para ela, o samba est? em todo o lado, mesmo no barulho de uma m?quina de caf?: "o meu ouvido entende qualquer som como samba, isso para o bem e para o mal".
Segundo relato de Domenico Lancellotti, a quem conhe?o desde o come?o dos anos 80 quando ele mal havia sa?do das fraldas, o disco ? fruto de um quase improviso: nos deparamos com algo que h? muito tempo n?o v?amos num est?dio de grava??o: salve a emo??o, o sentimento, a m?sica.(...) estava tudo ali, os sambas, as levadas, as ideias, t?nhamos um disco, mas o que fazer com as imperfei??es? o que fazer com aqueles momentos trastejados e desalinhados? t?nhamos optado por um processo que n?o d? ao t?cnico muitas chances de consertos. Bendita escolha...
Amei de paix?o o texto de Luciano Alabarse para o release do Micr?bio do samba, e por ser incapaz de escrever melhor divido com voc?s: "A letra de uma ?nica can??o, quando conectada com sua realidade temporal, tem mais for?a e efici?ncia do que uma biblioteca inteira. A m?sica popular, ainda hoje, ? como farol potente a iluminar o breu dos impasse nacionais, sejam eles comportamentais ou pol?ticos. Seu espa?o ocupa, por isso, um lugar privilegiado na forma??o de nossa identidade. Os grandes compositores brasileiros se destacam como arautos das mazelas e maravilhas do pa?s. A d?vida afetiva aos homens e mulheres que cumprem esse papel, com talento indiscut?vel, ? gigantesca. N?s, o p?blico, n?o poderemos jamais expressar, com palavras exatas e correspondentes, o agradecimento merecido a esses m?sicos, mas podemos reconhec?-los e nomin?-los como vozes especiais aos nossos cora??es e mentes. A can??o brasileira, de tantos nomes admir?veis, encontrou em Adriana Calcanhotto uma compositora not?vel, letrista atenta e sofisticada, reconhecida e integrada exemplarmente ao nobre of?cio da composi??o popular. Seus versos apresentam uma simplicidade complexa, pois, muitas vezes, nos oferecem imagens paradoxais, rimas inusitadas, solu??es l?xicas primorosas. Ouvir uma can??o de Adriana pela primeira vez, para aqueles que o fazem com a devida aten??o, ? uma experi?ncia est?tica solar. H? humor, leveza e dor, talvez n?o necessariamente nessa ordem, criando tens?es entre palavras e geografias ins?litas. A poesia de Adriana ? cosmopolita, nascida entre aqueles que t?m acesso ?s informa??es e ? literatura dos grandes agrupamentos urbanos, mas isso por si s? n?o explica seu resultado e efic?cia. Nada parece fruto do acaso em seu trabalho. N?o h? uma intelig?ncia paralisante em rela??o ?s leg?timas emo??es de seus versos. Uma n?o contradiz nem nega a outra. A transpira??o de sua poesia ilumina a origem emocional dos seus achados po?ticos. (...) Por fim, e n?o menos importante, h? que ressaltar a cantora que, a cada dia, est? melhor. Sua voz cristalina mostra um amadurecimento not?vel na emiss?o de seus versos. N?o h? excessos nem conten??es demasiadas. Eu, que ouvi apenas a grava??o das bases dos doze novos sambas, cujos arranjos minimalistas refor?am a for?a da safra nova de suas belas composi??es, adianto que estaremos todos a cant?-las remexendo nossos corpos nas cadeiras, sambando no p?, identificando nossas pr?prias hist?rias em seus certeiros achados po?ticos. O mundo inteiro ficar? mais feliz com esse disco. O Micr?bio do samba veio para ficar."
Como a pr?pria Adriana Calcanhotto que chegou de mansinho e de mansinho ficou para todo o sempre...Quem n?o gosta de samba bom sujeito n?o ?, j? dizia Caymmi, santo m?ximo dessa Ba?a de Todos os Santos, por isso junte-se aos bons e tome o rumo do TCA na noite de hoje...vamos bater cabe?a para Caymmi ouvindo Adriana Calcanhotto.
SERVI?O ADRIANA CALCANHOTTO EM TROBAR NOVA
M?sicos: Alberto Continentino, Davi Morais e Domenico Lancelote
Quando? Hoje, s? hoje, 3 de junho ?s 21h
Local: Teatro Castro Alves
Informa??es: (71) 3117-4899
Ingressos (inteira): R$ 100, (filas A a W), R$ 80, (X a Z6), R$ 50, (Z7 a Z11)
As not?cias que chegam das terras do paralelo 30 falam em sucesso. Eleonora Rizzo - saudades das comidinhas dos teus restaurantes! - assume publicamente que "a ousadia do Luciano ilumina nossas vidas". Z? Ad?o Barbosa, ator e diretor teatral, n?o economiza nos elogios: "a pe?a ? linda, um discurso deslumbrante, certeiro nos dias que vivemos, atores maravilhosos...". D. Eva Sopher - continuo querendo ser como ela quando eu crescer - fecha com chave de ouro: "o espet?culo, como todos os teus (de Luciano Alabarse) anteriores, ? de singular beleza est?tica - tanto visual quanto musical"
. E eu quase me rasgo sabendo que n?o h? a menor possibilidade de fazer um Salvador x Porto Alegre b?sico apenas para assistir a nova temporada de Ifig?nia em ?ulis+Agamenon, no Teatro Renascen?a, que ainda fica na avenida ?rico Ver?ssimo.
N?o sei se voc?s mas Luciano ? foi o primeiro a dirigir Adriana Calcanhotto. Adoro essas coisas da vida que nos une nos bastidores ou numa coluna virtual.
Para quem est? em Porto Alegre ? a dica do m?s de junho, corram para ver a mais recente cria??o de Luciano, ? t?o raro nesse pa?s termos a ocasi?o de aplaudir uma trag?dia, com elenco imenso, com produ??o bem cuidada, orgulho para qualquer brasileiro.
Al?m do mais, num mundo como o nosso, convulsionado por guerras e invas?es hegem?nicas, o texto ganha uma atualidade aterradora. Pensem no que diz Luciano Alabarse: "pa?ses continuam invadindo pa?ses, saqueando culturas, matando milhares de pessoas, destruindo a cultura e os costumes dos povos vencidos. No ano em que lembraremos os dez anos da destrui??o das Torres G?meas, as convuls?es da L?bia, Egito, Iraque e Afganist?o, Eur?pedes aparece como um verdadeiro profeta vision?rio, a escrever um violento libelo contra a guerra e suas conseq??ncias nefastas. Ao mesmo tempo, o texto ? de uma poesia perturbadora, com imagens bel?ssimas e um apelo teatral irresist?vel. N?o ? ? toa que se transformou em um dos maiores cl?ssicos da trag?dia grega". Ao Renascen?a pois...
SERVI?O IFIG?NIA EM ?ULIS + AGAMENON
Adapta??o / texto final: Luciano Alabarse
Dire??o: Luciano Alabarse
Cen?rio: Sylvia Moreira
Figurinos: R? Cortinhas
Elenco: Fernanda Petit, Ida Celina, Marcelo Adams, Mauro Soares e Vika Schabbach
Onde? Teatro Renascen?a Av. ?rico Ver?ssimo, 307 - Menino Deus
Quando? De 3 de junho a 3 de julho - sextas e s?bados ?s 21h e domingos ?s 20h
Ingressos: 40 reais (desconto de 50% para idosos e 10% para estudantes)

Xuxa Lopes em Cr?nica da Casa Assassinada (Foto: Divulga??o)
Quem estiver no Rio n?o deve se poupar de ver Cr?nica da Casa Assassinada, uma adapta??o de Dib Carneiro Neto para o romance hom?nimo do escritor L?cio Cardoso (1913-1968), lan?ado em 1959, em montagem estrelada por Xuxa Lopes com estreia prevista para amanh?, no Teatro Maison de France.
A montagem traz a assinatura de Gabriel Villela, o mago da encena??o brasileira. O meu diretor favorito, talvez porque o mais barroco. E ? com alegria que descubro nas entrevistas concedidas por ele aos ve?culos cariocas e nacionais que na montagem em quest?o Gabriel usar? "o que h? de melhor do barroco", com direito a reprodu??o da fachada da Igreja de S?o Francisco de Assis, de Ouro Preto. Trazendo o barroco para o espet?culo E vai al?m, diz ter trazido o barroco ele espera quebrar o realismo psicol?gico da obra. ? para quebrar o profano com o sagrado, j? que o romance tem alt?ssimas doses de sensualidade. Os personagens rezam e gemem de prazer.
Divido com voc?s o texto escrito por Dib para o programa do espet?culo: "Sabe aquele doce que voc? deixa para comer no fim de tudo, para ficar com o gostinho na boca? Ou aquele melhor ingrediente da salada que voc? separa no canto do prato para ser a ?ltima garfada? Com o romance do mineiro L?cio Cardoso, Cr?nica da Casa Assassinada, ocorreu-me algo similar. Desde sempre interessado por literatura brasileira, ouvi falar muito bem do livro, invariavelmente citado como 'obra-prima'. Pois na minha adolesc?ncia, nos anos 1970, comprei uma edi??o e a folheei muito, saboreei cada p?gina com olhos gulosos, sobretudo a ilustra??o inicial, com a planta baixa do casar?o dos Meneses - mas acabava por recoloc?-lo na estante para ler num momento mais especial, mais inspirado, sabendo que estava deixando o melhor para depois, para ler com mais maturidade. E o tempo passou. Nonada. Conforme foi se solidificando meu casamento art?stico com outro g?nio mineiro, Gabriel Villela (ele dirigiu a decisiva leitura dram?tica de meu Adivinhe Quem Vem Para Rezar, depois ganhou pr?mios pela dire??o inspirada de meu Salmo 91 e ainda me chamou para traduzir Camus, na sua impactante montagem de Cal?gula), acabei ouvindo dele, esse inquieto encenador de Carmo do Rio Claro, que adoraria ter uma adapta??o minha para o livro do L?cio. Foi s? a?, em 2009, que ca? de boca (com o perd?o da express?o) no volume mofado que carreguei pela vida, mudando de estante a estante. Para completar, o barroco Gabriel sugeriu que eu me 'internasse' um tempo em Minas, para viver a mineiridade de perto, ouvir causos, abra?ar a hist?ria do Brasil, comer torresmo e beber cacha?a. Foi o que fiz quando estava na reta final da adapta??o - e, sim, ele tinha raz?o: foi uma viagem proveitosa, rica, encantadora. Assim como foi toda a 'viagem' de adaptar para o teatro essa p?rola epistolar. Gabriel, L?cio, Ouro Preto, Vila Velha, Carmo do Rio Claro, Tiradentes, pousadas, charretes, casar?es, orat?rios, fuxicos, Aleijadinhos, Meneses, Sant'Annas, farmac?uticos, padres, cozinheiras: com todos eles, aprendi de uma vez por todas que mineirice ? falar "trem b?o", mas mineiridade ? coisa bem mais s?ria. ? quest?o de esp?rito, de alma. E, claro, rom?ntico que sou, ca? de amores por tudo isso, por todos eles. Uma paix?o que vai durar para sempre. Obrigado, diretor, por me ter feito tirar da estante o livro que eu sempre supus ser o tesouro que me levaria a outros tesouros."
SERVI?O 'A CR?NICA DA CASA ASSASSINADA'
De Lucio Cardoso/ Dire??o Gabriel Villela
Elenco: Xuxa Lopes, Helio Souto Jr. , Pedro Henrique Moutinho e outros
Teatro Maison de France - Av. Presidente Antonio Carlos, 58 Centro
Quando? estreia dia 4 de junho Curta temporada Hor?rios e pre?os? sexta:21h (R$ 40,00); s?bado: 21h (R$ 50,00); domingo:19 h (R$ 60,00)
Informa??es: (21) 2544-2533
No final dos anos 90 quando embarquei nessa trip acad?mica encontrei um grande parceiro de del?rios pelos ?nibus de Sampa, no longo percurso da Cidade Universit?ria ? avenida Paulista. Mauro Rodrigues ? o nome dele. Passaram-se os anos, somos mestres, somos doutores, nunca mais nos vimos, eventualmente nos falamos, mas continuamos parceiros. Recebo email com o convite para ver sua companhia em Sampa e n?o posso aceitar. Mas posso dizer aos meus leitores: prestigiem o trabalho dele. Voc?s n?o v?o se arrepender.
VIS (vontade) MOTRIX (motor) ? termo grego que trata de investigar a for?a motora ou a vontade de movimento. No debate sobre este conceito, ?reas como a f?sica e a metaf?sica empregam-no em busca de qual seria a pot?ncia que faz os corpos inanimados se moverem. O que move e faz o corpo adquirir o aspecto mais not?rio da presen?a de vida nele: os movimentos caracter?sticos ou pr?prios a cada corpo, a cada pessoa. Esta Vis Motrix ?, nas m?os da Cia Imago, portanto, o nascimento do gesto expressivo, cria??o da identidade e exist?ncia da gestualidade de um homem que se cria na forma de um boneco vivo em cena. Quanto ao espet?culo posso garantir a voc?s que essas marionetes reproduzem, de forma po?tica, a??es do cotidiano: brincar, jogar, equilibrar-se, cair e levantar. E atrav?s desses movimentos quase humanos, vestidos de inoc?ncia, elas apreciam a intensidade do instante e o encantamento da descoberta do corpo, esculpido em madeira e espuma. Garanto a voc?s que pode at? parece brincadeira, mas o Mauro n?o brinca em servi?o. ? arte pura, das que confere um toque de magia e impressiona o p?blico com precis?o e beleza de movimentos.
SERVI?O VIS MOTRIX
Dire??o e Dramaturgia: Mauro Rodrigues
Atores-Animadores: Ana Rocha, Mauro Rodrigues, Robson Barbosa, Roger Valen?a
Ilumina??o: Helder Parra
Dura??o 50 Minutos
Faixa et?ria a partir de 1ano de idade
Quando? dia 3 de junho ?s 20h30 e dia 5 de junho (domingo) ?s 11h
Onde? Biblioteca Monteiro Lobato - Rua General Jardim, 485 - SP
Informa??es: (11) 3256-4122
Programa??o gratuita. Retirada de ingressos, na bilheteria, APENAS na data das apresenta??es
Les Naufrag?s du fol espoir far? escala em terras cariocas
Fotos Divulga??o
Recebi ontem ? noite, de Maria J?lia Pinheiro, uma not?cia h? muito aguardada e fa?o quest?o de dividir com voc?s: est?o confirmadas as apresenta??es do Th??tre du Soleil no Rio de Janeiro. A m?tica companhia dirigida por Ariane Mnouchkine apresentar? o espet?culo Les Naufrag?s du fol espoir (Os n?ufragos da louca esperan?a) de 8 a 19 de novembro no HSBC Arena que ser? transformada em Cartoucherie de Vincennes. A trupe francesa se apresentar? em outubro no SESC Belenzinho em S?o Paulo, em novembro no Rio, em dezembro em Porto Alegre encerrando as comemora??es dos 18 anos do Porto Alegre Em Cena seguindo em janeiro para Santiago do Chile. ? a maior turn? do Soleil na Am?rica do Sul, pois a companhia permanecer? no continente por quatro meses.
Deolinda Vilhena ? jornalista, produtora teatral, Doutora em Estudos Teatrais pela Sorbonne e professora do Departamento de T?cnicas do Espet?culo da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia.Fale com Deolinda Vilhena: deolindavilhena@terra.com.br
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