Se voc� est� indignado, buzine


Marcelo Carneiro da Cunha
De S?o Paulo

Desde a minha majestosa laje em Pinheiros, estendo o ouvido e o que predomina ao fundo s?o brados e brados de indigna??o c?vica contra tudo isso que est? a?. Afinal, essa ? a ?poca dourada para quem sente que o mundo est? perdido e que tem justamente a solu??o pra desentortar o pepino, n?o? Nossa ?poca, estimados leitores, apresenta o indignado ao trombone, hoje, na forma poderosa das redes sociais que nos invadem. Voc? sente algo que o mundo precisa saber? Sem problemas, basta tuitar que a gal?xia escuta. Tem a cura para a paralisia mental que assola o planeta? Um mail enviado para as pessoas certas - todos os milh?es delas que nunca viram voc? mais gordo - e pimba, suas ideias est?o espalhadas - mesmo que nem todos apreciem spams -, exceto os t?o importantes quanto os seus.

Agora, de que serve essa explos?o demogr?fica das express?es de ira? Sua raiva incontida por todos aqueles pol?ticos que voc? tamb?m ajudou a enviar a Bras?lia muda alguma coisa? Sua incapacidade de ler com calma at? o final o que est? escrito ou falado diante da voc? auxilia a quem quer que seja na tentativa de constru??o de algo parecido com um di?logo? Voc? l? depois, ou antes de ler?

Voc?s devem ter notado que nos ?ltimos tempos, o sujeito nem abre a boca e j? vai apanhando de algum lado. O problema n?o ? a cr?tica. A gente pode criticar o quanto quiser e o que quiser, mas isso significa que a gente deve justificar essa cr?tica, e n?o simplesmente partir pro descalabro por h?bito. Eu recebo emails dizendo, por exemplo, "Essa sua coluna foi a coisa mais idiota que eu li nos ?ltimos tempos". Ok, deve ser. Mas, quantas coisas idiotas voc? leu nos ?ltimos tempos, para eu poder avaliar a com o que eu estou sendo comparado, pra come?o de conversa?

A inten??o da democracia ? podemos trocar id?ias sem bordoadas, o que nos permite compreender melhor o que nos cerca. Mas abrimos m?o dessa riqueza em troca de uma indigna??o imediatista e empobrecedora. Voc? provavelmente n?o faz id?ia do que realmente esteja acontecendo l? no distante Par?, mas ? a favor ou contra Belo Monte. Se for ambientalista, ? contra. Se for desenvolvimentista, ? a favor. Na verdade, voc? precisa de eletricidade tanto quanto eu, mas est? disposto a um real debate sobre o tema? Est? preparado para discutir nuclear versus hidro, versus biomassa, versus solar ou e?lica?

A corrup??o no Brasil atingiu n?veis sem igual e voc? quer colocar fogo no Congresso. Voc? compara o Brasil com o que, como, a partir de quais refer?ncias? Nossas escolas p?blicas s?o um desastre. Mas desastre mesmo era o Brasil sem elas, ou o Brasil de at? uns 20 anos atr?s, n?o? Por outro lado, se voc? quiser discutir mesmo o retorno que esse caro e ineficiente sistema educacional oferece em troca do que a sociedade nele investe, voc? vai ter um debate ou vai ser v?tima de uma crucifica??o?

Eu vivo em uma rep?blica laica. T? l? na Constitui??o, podem ver. Ent?o por que eu, ou meu governo, precisamos dar bola pra indigna??o daqueles pastores e bispos todos berrando com uma b?blia na m?o? Voc? est? preparado para discutir de verdade a homofobia, o aborto, o casamento gay, a produ??o de etanol ou de comida, a libera??o da maconha ou do diesel com menos de 50 ppm? O que significou de verdade o regime militar? O horror dele nos livrou do projeto dos stalinistas para o pa?s? Que custo pagamos por essa liberdade? Havia uma real alternativa? Sermos governados por vinte anos pelos amigos do Bolsonaro representou um custo menor do que o de uma ditadura stalinista?

A Argentina sabe o custo que pagou para se livrar da sua ditadura e ele foi o de perder a guerra das Malvinas. N?s somos capazes de fazer a nossa contabilidade? Voc? ??

Eu li, e faz sentido, que os indignados usam a sua indigna??o como forma de superioridade moral. Algo como, "Sou um cidad?o melhor, um homem superior porque sou contra isso tudo que est? a?. N?o assino em baixo e reclamo, mesmo que para o vento".

O fato ? que gritar ? moleza, enquanto fazer algo que funcione se torna a coisa mais dif?cil do planeta. Se voc? tem realmente algo a dizer, provar, sugerir, com metas, m?todos e capacidade de reflex?o embutidos no seu pensamento, seja muito bem-vindo ao mundo. Se tudo que voc? tem ? uma buzina, por favor, mantenha dist?ncia. J? sabemos da sua exist?ncia, escutamos o som que vem da? e ele, por n?o propor nada de ?til, mas abusar do volume n?o ?, n?o poderia ser bem-vindo em qualquer lugar t?o apreciador do que ? sens?vel e sensato quanto as nossas vidas deveriam ser.

Marcelo Carneiro da Cunha ? escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens est?o sendo produzidos a partir de seus romances "Ins?nia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
Fale com Marcelo Carneiro da Cunha: marceloccunha@terra.com.br
ou siga @marceloccunha no Twitter
Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine.
 

Key-T. Copyright 2008 All Rights Reserved Blogger Templates by Brian Gardner Converted into Blogger Template by Bloganol dot com