Um homem l�


Este homem que l? se transporta para o mundo que imagina enquanto l? "Este homem que l? se transporta para o mundo que imagina enquanto l?"Amilcar Bettega
De Lisboa

Um homem levanta da sua cadeira e vai at? a biblioteca apanhar um livro. Fazia algumas horas, talvez mesmo alguns dias que ele era obrigado a adiar este gesto, esta sucess?o de gestos: levantar da cadeira, caminhar at? a biblioteca, localizar o livro na estante e tom?-los nas m?os.

O homem tem agora o volume nas m?os mas ainda n?o o abriu. Ele o sopesa, sente a textura da capa, passa os dedos sobre a lombada. Rememora os momentos imediatamente anteriores a este, em que ele pensava na chegada do ? momento ?. ? uma esp?cie de prepara??o para o mergulho que est? prestes a empreender.

Aos poucos, mesmo antes de come?ar a ler, o homem vai se afastando do que o cerca de maneira t?o pr?xima. E desliza para uma outra forma de vida. Alguma coisa em seu corpo se altera, como se pequenos ajustes fossem necess?rios, uma ligeira diminui??o da temperatura (ou um aumento) e alguma ansiedade, uma altera??o dos batimentos card?acos, e j? est?. O homem est? lendo. Em pouco tempo ele est? imerso no mundo criado pelas frases que correm como um rio por aquelas p?ginas. Ele deixa-se ir junto. Seus olhos percorrem as palavras e seu c?rebro associa significados, a imagina??o se expande. Cada palavra ? um est?mulo, cada frase suscita uma profus?o de imagens mentais, as cenas se tornam vivas. Ele se afasta do seu mundo e se regozija deste profundo isolamento. Este homem que l? se transporta para o mundo que imagina enquanto l?.

E neste momento se passa uma coisa curiosa : uma esp?cie de desdobramento, uma duplica??o, e o homem pode ver-se a si pr?prio debru?ado sobre o livro. V?-se um pouco de cima, pelas costas, um tanto encurvado e sem erguer os olhos das p?ginas. Sobre a mesa h? uma l?mpada direcionada para o livro, formando um cone de luz que aviva as p?ginas. A sua m?o esquerda repousa na mesa, a direita acaricia levemente a p?gina que em breve vai virar.

Este homem agora tem sua consci?ncia dividida : uma parte embarcou na hist?ria que ele l?, ou seja, no mar de imagens que ele cria para corresponder ?s palavras que l?; outra parte o observa de fora, v? sua imagina??o em marcha, percebe a sua implica??o na leitura, seu recolhimento e sua entrega, que o emociona.

Com um leve sorriso e sem esconder certo orgulho e, sobretudo, o prazer que experimenta, ele diz baixinho : ? este homem sou eu, que sorte eu tenho, ainda bem que este homem sou eu ! ?

Amilcar Bettega ? escritor, autor de O v?o da trapezista, Deixe o quarto como est? e Os lados do c?rculo(livro vencedor do Pr?mio Portugal Telecom de Literatura Brasileira em 2005).
Fale com Amilcar Bettega: amilcar.bettega@terra.com.br Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine.
 

Key-T. Copyright 2008 All Rights Reserved Blogger Templates by Brian Gardner Converted into Blogger Template by Bloganol dot com