Diretora: "Matarazzo promove retrocesso de 30 anos no MIS"


Claudio Leal

A substitui??o do comando do Museu da Imagem e do Som (MIS) de S?o Paulo - articulada pelo secret?rio estadual da Cultura, Andrea Matarazzo (PSDB) - parece n?o ter esgotado seu manancial de pol?mica. Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, a diretora do museu, Daniela Bousso, critica a decis?o de Matarazzo de mudar o foco do MIS, com ?nfase no cinema e na fotografia, desfazendo a tend?ncia da atual gest?o de trabalhar as artes com as m?dias digitais.

"Matarazzo est? equivocado e promove um retrocesso de 30 anos ao querer que o MIS se volte somente para a fotografia e o cinema. Isso ? um absurdo, at? porque temos v?rias institui??es com acervos fotogr?ficos em S?o Paulo e a Cinemateca voltada apenas para a ?rea de cinema", ataca Daniela Bousso.

Matarazzo escolheu como sucessor o ex-propriet?rio do Cine Belas Artes, Andr? Sturm. O conselho administrativo do MIS (uma organiza??o social) referendou o nome nesta segunda-feira (30).

"? uma das coisas que a gente pretende no MIS. N?o que ele abandone a vanguarda nem as novas m?dias, mas que ele volte ?s suas origens e que amplie o seu p?blico", anunciou o secret?rio da Cultura, em entrevista ? Folha de S.Paulo, em 17 de maio. Dois dias depois, novos ataques: "O MIS precisa dar um salto, n?o pode ser t?o herm?tico. N?o se pode p?r R$ 12 milh?es por ano para um p?blico de apenas 80 mil pessoas".

A exposi??o "90 em Folha", comemorativa do anivers?rio do jornal paulista, escancarou as diverg?ncias entre Matarazzo e a diretora do MIS, que n?o participou da curadoria e teve de aceitar a imposi??o. Nos bastidores, a montagem ? vista como uma interven??o do governo.

"? uma curadoria do secret?rio. Agora n?s temos secret?rios curadores, que cedem espa?os p?blicos para ve?culos de comunica??o por 90 dias. Como num passe de m?gica, transforma-se um jornal num ve?culo chapa-branca. E a? vai uma pergunta: estando uma exposi??o no MIS por 90 dias, a 'Folha de S.Paulo' teria isen??o para analisar esta crise promovida pelo nosso secret?rio?", questiona Daniela.

Em resposta a Terra Magazine, o editor-executivo da Folha, S?rgio D?vila, rebate as cr?ticas e reafirma o apartidarismo do jornal. "Sim, a Folha considera que tem isen??o para tratar da crise do MIS, assim como teve isen??o para tratar da crise da Osesp, mesmo tendo realizado sua festa de 90 anos na Sala S?o Paulo, sede da orquestra. A Reda??o do jornal ? totalmente independente do seu departamento de eventos e de marketing e realiza jornalismo isento, cr?tico, pluralista e apartid?rio", diz D?vila.

Localizado na Avenida Europa, o MIS possui dez conselheiros, mas somente tr?s n?o pertencem ao grupo governista. A ascend?ncia de Matarazzo foi decisiva para a queda da cr?tica e curadora de arte contempor?nea, Daniela Bousso, que trabalha desde 1987 no Pa?o das Artes. Nesta entrevista, ela contesta a forma??o de seu sucessor. "O que diz ao conselho quando lhe perguntam como trabalhar? no MIS, se n?o entende de artes nem de novas m?dias? Ele responde que contratar? pessoas. Outra conversa pra boi dormir. Com que crit?rio ele contratar?, se ele n?o entende de arte contempor?nea e novas m?dias?", provoca.

Com mais de 800 assinaturas, um abaixo-assinado contra a "interven??o" no MIS foi dirigido ao governador de S?o Paulo, Geraldo Alckmin. A diretora do museu confronta as cobran?as de crescimento de p?blico: "A partir do come?o de 2011, era o momento de investir em comunica??o, porque at? agora s? t?nhamos trabalhado na infra-estrutura. A? o Matarazzo corta 30% do or?amento e exige que tenhamos o mesmo p?blico da Pinacoteca. Outro equ?voco: o MIS e o Pa?o das Artes tratam de arte contempor?nea de ponta e esses conte?dos s?o mais lentos em termos de assimila??o".

Confira os principais trechos da entrevista de Daniela Bousso:

"Matarazzo n?o quis negociar"
"Tenho uma vis?o bastante diferente do Matarazzo. Acontece que as institui??es culturais brasileiras s?o muito fr?geis. E o s?o porque sofrem com a descontinuidade de seus projetos e programas a cada governo. As organiza??es sociais de cultura foram criadas para evitar que, quando houvesse mudan?as pol?ticas, ocorresse descontinuidade. Elas vieram, teoricamente, para garantir a continuidade, principalmente nas viradas e mudan?as de governo. Obviamente, o Matarazzo vai defender a seguinte ideia: de que a pol?tica p?blica, ou seja, a Secretaria de Cultura, tem que dar as diretrizes. Concordo totalmente, s? que tem um detalhe: tem que dar as diretrizes, mas t?m que ser feito os ajustes a determinada miss?o ou projeto. No caso do Andrea Matarazzo, n?o h? essa considera??o. N?o h?, da parte dele, a disposi??o em negociar esse ajuste. Ele quer que o MIS mude de foco, e ponto final."

"MIS n?o tinha um p?blico de 80 mil por ano no in?cio dos anos 90"
"Ele n?o leva em conta que foram feitas benfeitorias em ci?ncia e tecnologia no MIS e n?o reflete sobre a sua implanta??o em tempo recorde, a readequa??o de espa?os, a reorganiza??o de seu acervo, bem como a sua digitaliza??o e a implanta??o de projetos. N?o tem vis?o dos programas, nem o timing de implanta??o de cada coisa. O que ele persegue ? o seu desejo pessoal e se esquece da coletividade. N?o percebe como este projeto ? importante para o Estado de S?o Paulo e para o Brasil e repete o que todo pol?tico brasileiro faz: s? leva em conta seus desejos pessoais. Ningu?m mais aguenta isso. Com o discurso subliminar, ele diz querer que o MIS volte ao brilhantismo dos anos 80 ou 90. Diz que quer fazer o MIS bombar. S? n?o diz como. Agora, o que ? que fez o MIS 'bombar' na passagem dos anos 80 para os anos 90, at? 1993, nos seus tempos ?ureos? Os anos 80 eram um outro momento. O Brasil vivia seu momento de desbunde cultural, havia, de certa forma, o renascimento de utopias, do ponto de vista pol?tico. Vernissages tinham 200 a 300 pessoas, no m?ximo. Naquele momento, isso era considerado um sucesso de p?blico, mas n?o tinha um p?blico de 80 mil por ano, tudo era uma escala muito menor. Se voc? fazia a exposi??o de um fot?grafo, vinha todo mundo do meio da fotografia. Mas, quanto ?, em termos num?ricos, esse 'todo mundo da fotografia'? No in?cio dos anos 90, n?o existia tamb?m o trabalho massivo de visitas orientadas para as escolas."

"Conte?do n?o ? herm?tico"
"Ele faz uma compara??o com tempos que s?o diferentes. Na passagem dos anos 80 para os 90, o tr?nsito em S?o Paulo era mais ameno. Hoje, o tr?nsito ? infernal. Eu levo em conta os dados de pesquisas de p?blico realizadas no MIS. Por que o MIS ainda n?o tem mais p?blico? Eu diria duas coisas. N?o ? o "conte?do herm?tico" a que ele se refere. As pesquisas de p?blico indicam que quem vem, adora. O conte?do n?o ? herm?tico, ? interativo. Fizemos exposi??o com grandes nomes, tais como Pipilotti Rist, Miguel Rio Branco, al?m dos jovens. Ent?o, n?o ? o conte?do herm?tico. Voc? tem metr? na (avenida) Consola??o com a (avenida) Paulista e voc? tem metr? na Rebou?as com a Faria Lima, est? certo? Entre esses dois pontos, est? o MIS. A descida da Rua Augusta ?, absolutamente, um horror de tanto tr?nsito. N?o temos um metr? na porta, como na Pinacoteca do Estado, e tampouco temos um museu tem?tico como o Museu do Futebol."

"Matarazzo promove um retrocesso de 30 anos"
"Quando ele fala da vanguarda, n?o sabe nem o teor da palavra que est? citando. A vanguarda foi nos anos 1920, vem do Modernismo, quando ocorreram as vanguardas hist?ricas. Entre os anos 1945-1970, vieram as vanguardas art?sticas. E agora, temos o qu?? Arte contempor?nea. Ponto final. Inova??o ? a palavra-chave da contemporaneidade. Matarazzo est? equivocado e promove um retrocesso de 30 anos ao querer que o MIS se volte somente para a fotografia e o cinema. Isso ? um absurdo, at? porque temos v?rias institui??es com acervos fotogr?ficos em S?o Paulo e a Cinemateca voltada apenas para a ?rea de cinema. Esta ? uma sobreposi??o que desperdi?a dinheiro p?blico e que enterra o desenvolvimento da inova??o e da tecnologia na arte. Mas, se voc? checar direito, entre agosto de 2010 e mar?o deste ano, n?s fizemos quatro exposi??es de fotografia. Quatro exposi??es de fotografia em seis meses! Ent?o, ? tudo desculpa pra boi dormir. Se voc? for ver a mostra de cinema que est? sendo organizada aqui pelo futuro diretor (Andr? Sturm), os n?meros de p?blico s?o ris?veis. As sess?es de cinema t?m tido 0,5 pessoa por sess?o. Numa Sunset Party, levamos tr?s mil pessoas para o MIS. Nossa equa??o ? outra."

Exposi??o "90 em Folha"
"? uma curadoria do secret?rio (Andrea Matarazzo). Agora n?s temos secret?rios curadores, que cedem espa?os p?blicos para ve?culos de comunica??o por 90 dias. Como num passe de m?gica, transforma-se um jornal num ve?culo chapa-branca. E a? vai uma pergunta: estando uma exposi??o no MIS por 90 dias, a 'Folha de S.Paulo' teria isen??o para analisar esta crise promovida pelo nosso secret?rio?"

"P?blico se fidelizou"
"T?nhamos R$12 milh?es para o Pa?o das Artes e para o MIS. A partir do come?o de 2011, era o momento de investir em comunica??o, porque at? agora s? t?nhamos trabalhado na infra-estrutura. A? o Matarazzo corta 30% do or?amento e exige que tenhamos o mesmo p?blico da Pinacoteca. Outro equ?voco: o MIS e o Pa?o das Artes tratam de arte contempor?nea de ponta e esses conte?dos s?o mais lentos em termos de assimila??o. Mas isso n?o quer dizer que tenhamos que privar a popula??o de ter acesso a esse conte?do inovador. Se S?o Paulo n?o puder bancar este tipo de conte?do cultural, Matarazzo ficar? marcado na hist?ria por ter impedido, por ter vetado ? popula??o paulistana e ao Brasil a possibilidade de acessar a cultura de ponta. Em 2008, trabalhamos s? no segundo semestre. Abrimos em agosto e tivemos 13 mil. Em 2009, 51 mil pessoas. No ano de 2010, 80 mil pessoas. Ora, o que isso significa? Houve um crescimento gradual e fidelizado. E assim que dever?amos continuar se Matarazzo n?o tivesse promovido tal impeachment."

"Como contratar sem entender a arte contempor?nea?"
"O MIS ? um espa?o que tem funcionado como continuidade dos medialabs das universidades. Os jovens terminam a universidade e as escolas dizem a eles que n?o podem mais trabalhar dentro delas, sen?o faltar? espa?o para os novos alunos. Para onde eles v?o? Para o MIS, que abriga e promove as artes com as m?dias digitais. O que diz Andr? Sturm ao conselho do MIS na sua entrevista de trabalho? Diz que, sinceramente, n?o entende nada de arte nem de novas m?dias. E o que diz ao conselho quando lhe perguntam como trabalhar? no MIS, se n?o entende de artes nem de novas m?dias? Ele responde que contratar? pessoas. Outra conversa pra boi dormir. Com que crit?rio ele contratar?, se ele n?o entende de arte contempor?nea e novas m?dias? Portanto, o projeto do MIS est? fadado a desaparecer pela falta de uma a??o competente para sua especificidade. E isso n?o tem nada a ver com gest?o. Logo, podemos deduzir que ele vai contratar mal."

O acervo
"O acervo do MIS ainda n?o pode ser visto, porque, como a reserva t?cnica estava sendo constru?da, at? o final do ano passado, os filmes e obras foram para um dep?sito climatizado para evitar fungos. O acervo n?o podia ser visto porque estava embalado em dep?sito. O acervo acabou de voltar, mas ainda n?o pode ser visto porque est? sendo inventariado e tem que passar por conserva??o, higieniza??o e restauro para depois ser pesquisado. Ser? que o pr?ximo diretor vai querer passar um filme sujo, cheio de fungos? E ? isso que pretendem levar para o interior de S?o Paulo? Pobre interior..."

"Sofremos de descontinuidade e de ignor?ncia"
"Meu sentimento ? de pesar. Mas ? esse Pa?s que a gente tem. Moramos no Brasil e aqui sofremos de descontinuidade e de ignor?ncia. ? p?ssimo, fico super triste. Quando eu penso quantos jovens t?m aproveitado e demandam o que o MIS t?m oferecido... Al?m da import?ncia desse projeto e do seu ineditismo pro Brasil, quero ressaltar o quanto ? importante que a atividade cultural permane?a nas institui??es, fortalecendo-as, ao inv?s do marketing raso de pol?ticos que s? pensam nos seus desejos pessoais. Cada vez mais, entendo que a cultura precisa ser gerida por gente da ?rea cultural e n?o por marqueteiros ou pol?ticos."

Veja tamb?m:
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A diretora do MIS-SP, Daniela Bousso, que ser? substitu?da por Andr? Sturm, critica o secret?rio de Cultura, Andrea Matarazzo: "Quando ele fala da vanguarda, n?o sabe nem o teor da palavra que est? citando"
 

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