Beatriz Sarlo enfrenta a tributa kirchnerista na TV Argentina


Carol Pires
De Buenos Aires


Beatriz Sarlo e Gabriel Mariotto: apoio e cr?tica ao kirchnerismo
(foto: Reprodu??o)

? quarta-feira ? noite e Beatriz Sarlo est? sentada ao lado do condutor do programa 678, da TV P?blica Argentina. Ela ? uma senhora bonita e muito baixinha. De sand?lias anabela, ela s? alcan?a o ch?o com as pontas dos p?s. Mas a c?mera s? filma seu rosto s?rio e seu discurso contundente.

Sarlo ? cr?tica cultural, principal intelectual anti-kirchnerista. Assumido como uma tribuna kirchnerista, o 678 ? transmitido pela TV P?blica, e custa 11 milh?es de pesos ao governo federal (informa??o do jornal Perfil n?o confirmada pelo programa, nem pelo governo).

A ida de Beatriz Sarlo ao 678 foi o assunto da semana na Argentina. Fui ? grava??o do programa, na ?ltima quarta-feira (25).

O 678 (seis apresentadores, no canal 7, ?s 8 da noite) foi criado em 2009, n?o ? o programa mais assistido (bate, em media, 2 pontos de rating; indo a 4,4 na quarta-feira passada), mas ? o mais pol?mico.

O programa analisa todos os programas de r?dio, jornais impressos e televisivos, e acompanha de perto os pol?ticos da oposi??o. A partir da?, pin?a o que ? pass?vel de ironia, ridiculariza??o e contradi??o, e formata em reportagens curtas e repetitivas. As declara??es n?o s?o distorcidas, e sim descontextualizadas.

Um jornalista argentino que conheci comentou um dia que as reda??es dos jornais param quando o programa vai ao ar, mesmo com a ordem dos superiores de desligarem a TV nesta hora.

"? terr?vel quando eles pegam uma reportagem sua para criticar, porque sua cara fica piscando l? na tela e seu filho em casa vai te ver sendo chamado de mentiroso".

H? algumas semanas, o prefeito de Buenos Aires, Maur?cio Macri, se lan?ou ? reelei??o e, durante o com?cio, fez uns duvidosos passinhos de dan?a. A cena foi parar no 678, e o que j? era c?mico, ficou rid?culo.

Na ?ltima semana, a presidenci?vel Elisa Carri? tamb?m caiu na besteira de dizer que dormia tranquila desde que Nestor Kirchner morreu. Pelas imagens do 678, n?o d? para saber em qual contexto disse isso. O v?deo d? a sensa??o de que a frase de Carri? soa pior a cada repeti??o.

Na quarta-feira, o primeiro v?deo do 678 foi sobre como a m?dia espanhola est? cobrindo os protestos contra as medidas de austeridade e o desemprego no pa?s. A edi??o do 678 mostrou jovens criticando a imprensa, protestos na rua, um comentarista insinuando que os manifestantes eram ligados ao grupo extremista ETA, e outro chamando-os de vagabundos.

A c?mera volta ao est?dio, e Sarlo ? a primeira a falar. "? um picotado do pior da imprensa espanhola, e fazem as pessoas acreditarem que o que acontece na Espanha s? est? sendo transmitido assim", atacou logo de cara. Para ela, o recorte feito da m?dia espanhola ? como o recorte que o 678 faz da pol?tica argentina.

At? o fim do programa, ela criticaria tamb?m o formato do programa ("distorcem e repetem"), o discurso de que todas as elites mentem ("todos n?s ao redor dessa mesa somos uma elite"), e evitaria falar dos pr?prios livros ("Oscar Wilde dizia que numa mesa n?o podemos falar duas coisas, dos pr?prios filhos e dos pr?prios livros").

O mais curioso de toda a grava??o era a plateia, um misto de claque governista (com mulheres vestindo blusas estampadas com o rosto de Cristina Kirchner) e universit?rios atr?s de fotos com Beatriz Sarlo.

Durante as interven??es de Sarlo, duas mulheres comentavam:

- Que clima p?ssimo, n?o estou aguentando mais essa mulher.

- E eu? Estou com as pernas duras de tanta raiva, como essa mulher tem coragem de vim aqui dizer que n?o gosta do programa?

E quando algu?m atacava a solit?ria anti-kirchnerista, as duas senhoras faziam silenciosos sinais obscenos.

Os entrevistadores do programa passaram a maior parte do tempo ouvindo Sarlo ou tentando associ?-la ao Clar?n por ter uma coluna na r?dio Mitre, do mesmo grupo. Mas Sarlo colocou os entrevistadores e convidados no bolso. As cr?ticas a ela couberam aos jornais kirchneristas dos dias seguintes.

O jornalista Orlando Barone disse a Sarlo que ele podia sentir-se aliviado por n?o trabalhar em uma empresa que tem que ocultar crimes de lesa-humanidade, se referindo ? suspeita de que os filhos de Ernestina Noble, dona do Clar?n, sejam crian?as sequestradas pela ditadura militar.

"Comigo, n?o, Barone", interrompeu uma irritada Sarlo. "Voc? trabalhou no jornal Extra, no La Naci?n. Chame algu?m do Clar?n para dizer isto". At? o final do programa, Barone n?o voltaria a abrir a boca.

Gabriel Mariotto, diretor da Autoridade Federal de Servi?os de Comunica??o do governo, perguntou a Sarlo se os editoriais do Clar?n que a orientavam a escrever suas colunas ou o contr?rio. "Ningu?m me orienta, n?o seja insolente", respondeu. A conversa entre os dois era em dedos em riste.

Sandra Russo, jornalista do P?gina 12, tamb?m s? deixaria para fazer cr?ticas a Sarlo s? no dia seguinte, quando ela n?o estava mais l?. Segundo ela, se as pessoas pensassem como Sarlo - que, quando mais louros acad?micos se tem, melhor se entende a pol?tica -, a sociedade estaria a um passo do voto qualificado.

"Sarlo n?o entende o Kirchnerismo", afirmou a jornalista, que no dia anterior disse que n?o tinha lido "A aud?cia e o c?lculo", livro em que Beatriz Sarlo faz um balan?o do kirchnerismo.

Nora Veira, outra debatedora, que passou quase toda a grava??o digitando no celular e alisando a pr?pria pulseira tamb?m tentou espezinhar Sarlo quando ela disse que lia Clar?n, La Naci?n e P?gina 12 todos os dias.

"Em outra entrevista voc? disse que lia La Naci?n e P?gina 12. Agora diz que l? Clar?n". Veira insistiu muito nisso, como se ler ou n?o um jornal fizesse do leitor um partid?rio.

O programa chegou ao fim em terceiro lugar nos mais comentados do Trending Top Mundial com a hashtag #sarloen678. Depois da grava??o, entrei no Twitter de Nora Veira. Pensei que ela estivesse usando o celular para passar mensagens. Mas no perfil dela encontrei uma ?nica mensagem naquele dia:

"BEATRIZ SARLO, a partir de hoje s? o escreverei com mai?sculas".

Carol Pires ? jornalista. Foi rep?rter do Estad?o, iG e Blog do Noblat. Hoje mora em Buenos Aires.
Fale com Carol Pires: caroldpires@terra.com.br Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine.
 

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