O que fizeram com a autoridade do professor?


Nelson Pretto
De Salvador (BA)

Conversava recentemente com uma amiga, colega professora do ensino m?dio, sobre a situa??o das escolas p?blicas no Estado da Bahia e sobre o trabalho do professor. Constatamos, ali?s sem nenhuma novidade, que est? muito dif?cil ser professor com as atuais condi??es de trabalho. Estouram greves em v?rios Estados, em todos os n?veis. Um v?deo circulou na internet, de forma viral, com o discurso da professora potiguar Amanda Gurgel em uma audi?ncia p?blica na Assembl?ia Legislativa do Rio Grande do Norte, onde se discutia a greve dos docentes naquele Estado. A professora usou seus cinco minutos de fala para, com uma precis?o cir?rgica, expor a dura vida do professor.

Esses s?o problemas concretos que muito dificultam o trabalho dos mestres. Mas existem outros importantes aspectos que merecem ser discutidos.

Est? dif?cil a pr?pria rela??o com os estudantes, que n?o conseguem ver na escola e no professor algo de significativo para as suas vidas. Observo isso tamb?m na universidade. Apesar de uma parcela da juventude estar animada, com disposi??o para o aprendizado e a intera??o com colegas e professores, percebo um certo des?nimo em boa parte dos meus atuais alunos. Minha colega professora constata que, nas aulas no col?gio onde trabalha, o n?vel de desrespeito em rela??o ao professor ? enorme, com alunos saindo e entrando da sala sem a menor cerim?nia, agredindo os mestres verbalmente (nem me refiro ?s agress?es f?sicas, que tamb?m sabemos existir) e pouco ligam para os colegas e os professores.

Para n?s, pesquisadores da educa??o, est? evidente que os curr?culos, a estrutura das escolas, a forma??o dos professores, entre outros aspectos, est?o muito aqu?m do que necessitamos para que a escola possa enfrentar os desafios contempor?neos. Mas algo nos chama a aten??o e, por conta disso, resgato aqui um belo artigo escrito por M?e Stella de Ox?ssi, Iyalorix? do Il? Ax? Op? Afonj?, na Bahia, publicado no jornal A Tarde de 13 de abril passado. "No outono da vida" ? uma reflex?o sobre o papel dos velhos na sociedade e discorre sobre a esta??o do ano em que as folhas secas se desprendem das ?rvores e caem por terra. As folhas caem da mesma forma que os mais velhos curvam o seu corpo, compara M?e Stella. Mas aqui ela traz uma sabedoria yourub? que n?s ? muito cara: "Mesmo quando o velho curva o corpo, ainda continua de p?".

No Candombl?, como em outras religi?es de proced?ncia oriental e nas tribos ind?genas, "o velho ? muito valorizado, ele ? considerado um s?bio, tendo uma condi??o de destaque e respeito", sentencia M?e Stella no seu artigo.

Trago essa bela refer?ncia para retomar a quest?o do professor e de sua autoridade. O que temos visto ao longo dos ?ltimos anos ? que a correta pol?tica de universaliza??o do acesso ? educa??o b?sica n?o foi acompanhada de um necess?rio e urgente resgate do papel do professor. Resgate este que tem que se dar em pelo menos tr?s dimens?es: salarial, condi??es de trabalho e forma??o (inicial e, principalmente, continuada). Nesse ?ltimo aspecto, as redes tecnol?gicas possuem um papel fundamental, uma vez que possibilitam articula??o entre todos os entes do sistema, de forma a ter o professor, na escola, no seu ambiente de trabalho, apoio e suporte acad?mico para o desempenho das suas atividades.

A escola precisa resgatar para si a beleza e a genorosidade dos seus espa?os e arquiteturas, como j? tivemos o Pedro II no Rio e a Escola Parque na Bahia, para citar apenas dois antigos exemplares casos. Nestes ricos espa?os, todos conectados e com boa infra-estrutura, os professores viveriam o dia a dia das escolas, a rela??o com os alunos, funcion?rios e colegas, numa ambi?ncia de respeito, colabora??o e cria??o.

A necessidade de resgate da autoridade do professor est? associada tamb?m ? de fortalecimento das figuras de autoridade dos pais - hoje t?o fragilizadas -, n?o significa, em absoluto, qualquer nostalgia de tempos autorit?rios. O fortalecimento dessas figuras de autoridade n?o pode perder de vista a import?ncia do protagonismo de alunos e filhos nas rela??es que se estabelecem na escola e na fam?lia. Muito pelo contr?rio. Passariam todos, jovens e velhos - estes com a sabedoria que lhe foi outorgada pelas experi?ncias de vida e aqueles com a irrever?ncia fundamental de quem quer tudo questionar, mudar e reconstruir - a trabalhar para o estabelecimento de um rico di?logo, com trocas, permutas, respeito m?tuo e crescimento coletivo e individual.

M?e Stella foi direto ao ponto: "Os mais novos, que vivem em uma sociedade imediatista, n?o querem ou n?o conseguem encontrar tempo para ouvir experi?ncias que um dia ter?o que enfrentar. (...) Na cultura yorubana, o velho ? um her?i, pois conseguiu vencer a morte, que nos procura e ronda todos os dias".

Nem todos os professores t?m a sabedoria dos velhos, temos clareza disso. Mas resgatar essa dimens?o intelectual do professor, acrescida de uma outra dimens?o caracter?stica de nosso tempo, a do sujeito verdadeiramente ativista, pode vir a constituir um dos mais significativos passos para retomarmos a perspectiva cidad? que estamos vendo se perder em nossa sociedade.

Nelson Pretto ? professor e j? foi diretor (2000-2004 e 2004-2008) da Faculdade de Educa??o da Universidade Federal da Bahia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. F?sico, mestre em Educa??o e Doutor em Comunica??o.
Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine. M?e Stella de Ox?ssi: "Os mais novos, que vivem em uma sociedade imediatista, n?o querem ou n?o conseguem encontrar tempo para ouvir experi?ncias que um dia ter?o que enfrentar"
 

Key-T. Copyright 2008 All Rights Reserved Blogger Templates by Brian Gardner Converted into Blogger Template by Bloganol dot com