
De Salvador (BA)
1) N?o causou boa impress?o o ex-abrupto do cineasta dinamarqu?s Lars von Trier no recente Festival de Cannes, quando elogiou o nazismo e condenou o estado de Israel. A dire??o do evento o baniu da mostra. A atitude de Trier faz lembrar os personagens de um de seus filmes, Os idiotas, que narra as perip?cias de um bando de revoltados que se finge de d?beis mentais para agredir a acomodada sociedade dinamarquesa. O nazismo foi uma monstruosidade e h? coisas, por mais que a ironia, a boutade, e as atitudes politicamente incorretas sejam necess?rias, que n?o devem ser exaltadas. Quem viu o extraordin?rio document?rio de Alain Resnais, realizado em meados da d?cada de 50, Nuit et brouillard, sobre os campos de concentra??o da Alemanha nazista, constatou, e saiu com o terror na alma. O pr?prio papa Bento XVI, ao visitar o que restou do campo de concentra??o em Auschwitz-Birkenau (Pol?nia) n?o pode sustar um coment?rio: "Onde estava Deus nesta hora?"
2) Lars von Trier tem um sentido de marketing surpreendente, mas parece que, desta vez, o tiro saiu pela culatra. O Dogma 95, com objetivos purificadores, a rigor, nada tinha de novo, com fortes influ?ncias dos postulados zavattinianos do neorrealismo italiano. Mas conseguiu balan?ar um pouco o marasmo dos eventos cinematogr?ficos dos meados da d?cada de 90. Assim como seu compatriota Carl Theodor Dreyer, Lars von Trier gosta de maltratar seus atores para, segundo ele, fazer emergir deles um poder de convencimento total. Bjork, a cantora, que trabalhou em Dan?ando no escuro (Dancer in the dark) tinha crises peri?dicas com os nervos ? flor da pele. Nicole Kidman, no af? de ser considerada uma grande atriz, submeteu-se ?s torturas do cineasta em Dogville. Comparei com Dreyer porque este chegou, em La passion de Jeanne D'Arc (1928), que foi filmado na Fran?a, a torturar psicologicamente a atriz que faz o papel de Joana, a c?lebre Falconetti, que, vendo-se o filme, pode-se constatar, em seus closes up, a express?o da dor e do sofrimento. Mas Falconetti, terminadas as filmagens, internou-se numa cl?nica psiqui?trica e nunca mais voltou ao cinema. La passion de Jeanne D'Arc, por?m, virou uma obra cultuada e uma das maiores express?es da arte do filme.
3) O Festival de Cannes homenageou Jean-Paul Belmondo, ?cone do cinema franc?s, artista bem representativo da nouvelle vague, que, aos 78 anos, de bengala, j? sorvido pelo tempo, atravessou triunfante o extenso tapete vermelho da entrada do evento, com milhares de fot?grafos querendo eternizar o momento. Belmondo mudou, inclusive, a est?tica da beleza masculina no cinema, desmistificando a imagem do gal? cinzelado pela concep??o grega (Robert Taylor, Rock Hudson, Tyrone Power...), e instaurando o feio-bonito. Ainda que j? tivesse, antes, participado de alguns filmes, a imagem de Jean-Paul Belmondo foi detonada, e eternizada, no seu inesquec?vel papel como Michel Poiccard em Acossado (A bout de souffe, 1959), de Jean-Luc Godard, filme inaugural (ao lado de Os incompreendidos/Le quatre cents coups, de Fran?ois Truffaut) da nouvelle vague. Vi a entrada magistral desse ator pelo excelente site do Festival de Cannes (http://www.festival-cannes.com/pt.html), que tem, inclusive, vers?o para v?rios idiomas e, entre eles, o portugu?s.
4) Mas voltando ainda a Lars Von Trier, n?o se pode negar de ser um dos mais criativos cineastas do cinema contempor?neo (t?o escasso de bons autores). Realizador ins?lito, com tem?ticas pol?micas, cujos filmes se caracterizam pelo uso intensivo da c?mera na m?o (o que faz com que as imagens ficam balou?antes e tremidas), o fato ? que consegue, apesar de tudo, um poder de convencimento capaz de envolver o espectador. Segundo ? se me parece, no dizer daquela pe?a antol?gica de Luigi Pirandello, o melhor filme dele ? Ondas do destino (Breaking the waves), realizado em 1996, quando ainda n?o era o Von Triers dos tempos atuais. Estr?ia de Emily Watson no cinema, Breaking the waves ? um filme po?tico e amargurado, uma descida ao inferno ao modo desse realizador dinamarqu?s. Uma mulher (Watson) fica impossibilitada de ter rela??es sexuais com seu marido (Stellan Sgarsgard) quando fica tetrapl?gico em um acidente de trabalho. A partir de ent?o, ainda que cat?lica fervorosa, d?-se a comer ao mundo num calv?rio como prostituta. Na rela??o com desconhecidos ? como se estivesse a amar o marido. Estranho, causa perplexidade na abordagem tem?tica, mas de uma beleza indiscut?vel.
5) Os idiotas, de Triers, ? um soco no est?mago dos espectadores acomodados. Obra destitu?da, por assim dizer, de piedade, o autor investe contra o seu meio social atrav?s de personagens outsiders que se fingem de d?beis mentais para agredi-lo. Mas a via-crucis de Bjorn em Dancer in the dark continua o calv?rio da personagem de Emily Watson, que, desta vez, ? uma mulher quase cega que tem que lutar contra um mundo que lhe ? adverso. Por incr?vel que possa parecer, Triers introduz a personagem num universo cruel e, ao mesmo tempo, musical (com alus?o a v?rios n?meros musicais de A novi?a rebelde/The sound of music, 1965), de Robert Wise). Coincidentemente, a sequ?ncia final, quando Bjorn espera a morte, lembra outro Wise, aquele de Quero viver (I want live, 1958), que deu o Oscar a Susan Hayward. O resultado, por?m, ? muito bom. E o que dizer da desconstru??o do cen?rio habitual para substitu?-lo por um espa?o aberto com indica??o dos lugares, casas e objetos por tra?os de giz e sinais indicativos em Dogville? Desta vez, a v?tima da f?ria tiersiana ? a bela Nicole Kidman, quando ainda n?o estava inchada e feia pelo excesso de botox e silicone.
6) Minha conta do Facebook foi desativada e, com isso, perdi todos os meus contatos, todos os meus amigos, todas as minhas fotos arquivadas, todos os meus coment?rios etc. A causa: publiquei duas fotos nas quais Brigitte Bardot aparece completamente nua. Uma delas, de bru?os, ? tirada de O desprezo (Le m?pris, 1963), de Jean-Luc Godard. Publiquei-as ter?a da semana passada e, na quarta, quando fui fazer o login para entrar no Facebook, veio o aviso: "Conta desativada por den?ncias de pornografia e indec?ncias." Indec?ncias? Pornografia? O meu objetivo, na publica??o, foi ressaltar a beleza da mulher, a beleza do corpo feminino. N?o h? qualquer ind?cio de pornografia ou, como quer a citada rede social, indec?ncias. H?, no Facebook, um quadrado para se clicar escrito denunciar. A conclus?o chegada foi a de que existem duas maneiras de bloqueio. O bloqueio da rede, quando recebe den?ncias pelo clique referido, e as pessoas moralistas que se sentem censores da moralidade, principalmente as mal amadas, cheias de botox e silicone, que n?o admitem ver uma mulher bela, com corpo bel?ssimo, e ao natural, numa ?poca em que tais pr?teses n?o existiam.
7) Mas, com outro e-mail, j? abri um novo perfil, recome?ando, com isso, de novo, da estaca zero.
Andr? Setaro ? cr?tico de cinema e professor de comunica??o da Universidade Federal da Bahia (Ufba).Fale com Andr? Setaro: andre.setaro@terra.com.br
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