Do Recife (PE)
Durante a vida, Fernando Pessoa experimentou muitas bebidas. "Ah, bebe! A vida ? boa ou m?/ o que lhe demos ? o que ela d?". Enquanto conviveu com S?-Carneiro era o absinto. Logo o abandonando em raz?o dos problemas g?stricos que lhe causava. "Eu o fumador de cigarros por profiss?o adequada/ O indiv?duo que fuma ?pio, que toma absinto..."
Houve per?odo em que preferiu u?sque. Tamb?m apreciava vinhos, Moscatel e do Porto, bem como alguns brancos (Bucelas e Gaeiras) e tintos (Colares) de mesa. "D?-me mais vinho porque a vida ? nada", escreveu o poeta. Gostava de harmonizar pratos e vinhos. "Comi mel?o retalhado e bebi vinho depois".
MEL?O COM PRESUNTO INGREDIENTES: 1 fatia grossa de mel?o, gotas de lim?o, pimenta do reino, fatias finas de presunto.
PREPARO: * Coloque, sobre o mel?o, gotas de lim?o e pimenta do reino.
* Arrume, ao lado do mel?o, as fatias de presunto.
* Deixe na geladeira at? a hora de servir.
Mas gostava mesmo era da "bagaceira" (aguardente de uva) e do brandy de Macieira. Curiosamente, em seus tempos de publicit?rio, o ?nico comercial que fez de bebidas foi da Coca-Cola, para quem criou a frase - "primeiro estranha-se, depois entranha-se". Pessoa "bebia demais", segundo sua pr?pria sobrinha Manuela Nogueira. E em quantidades, a cada ano, maiores. Mas ele pr?prio justificava, "se um homem escreve bem s? quando est? b?bado dir-lhe-ei: embebede-se. E se ele me disser que o seu f?gado sofre com isso, respondo: o que ? o seu f?gado? ? uma coisa morta que vive enquanto voc? vive, e os poemas que escrever vivem sem enquanto". Assim foi. Tanto que morreu por conta de uma pancreatite, comum em alco?licos.

Aguardente Bagaceira (feita da uva) da Adega de Borba,
em Portugal (Foto: Divulga??o)
Entre os caf?s que freq?entou, quase sempre para beber, vale citar a "Leitaria Acad?mica", pr?ximo ? casa em que ent?o morara, no Largo do Carmo. Ali, segundo se acredita, ter? conhecido o amigo S?-Carneiro, que tinha resid?ncia na Travessa do Carmo. S?-Carneiro depois se suicidou, em Paris, mas essa ? outra hist?ria. Ia tamb?m ao "Tavares Rico", mais antigo restaurante de Lisboa (1784), o preferido de E?a de Queiroz. Ao tempo de Pessoa, j? n?o pertencia aos irm?os Tavares, Manoel e Joaquim naturalmente, que se dirigiam aos clientes sempre em versos. Aos domingos era o "Montanha", onde conheceu jovens estudantes de Coimbra que vieram a Lisboa s? para v?-lo - entre eles Jos? R?gio e Jo?o Gaspar Sim?es. Tamb?m freq?entava a "Tendinha do Rossio", famosa pelas presen?as habituais do escritor J?lio Dantas ou do pintor Jos? Malhoa. O "Nicola", do Rossio, botequim onde se reuniam pol?ticos e literatos da ?poca desde os tempos de Manuel Maria Barbosa du Bocage. A "Adega Val del Rio", em que passa todas as noites para recolher uma garrafinha de aguardente que, pelas manh?s, estava sempre vazia; e onde tira foto, com um copo de vinho ? m?o, que remeteu ? amada Oph?lia Queiroz com dedicat?ria - "em flagrante delitro". Tamb?m freq?entava o "Caf? Gibraltar" (onde ? noite quase sempre est? Almada Negreiros), o "Chave d?Ouro" (onde se reuniam pol?ticos de todas as tend?ncias), o "Caf? Royal", o "Caf? Su??o" e sobretudo a "Brasileira do Chiado".
Nos meses que precederam sua morte, abandonou todos esses caf?s para ir s? ao "Martinho da Arcada". De l?, ainda hoje, se v? o Tejo entre as arcadas do edif?cio. Foi o ?ltimo caf? de sua vida. Naquela mesa, em que antes escreveu tantos poemas, agora ficava tardes inteiras, solit?rio, ab?lico, sem nada fazer. Outras vezes, era como se ficasse ausente. Ent?o passava longos minutos fixando um ponto impreciso da sala. Apenas o pigarro e a tosse, pr?prios de fumantes, denunciavam a sua presen?a. Pouco depois, era s? saudade.
Assim terminamos nossa viagem pelos sabores de Fernando Pessoa. Recomendando, a todos, ler o livro de Jos? Paulo Cavalcanti ("Fernando Pessoa, uma quase autobiografia") - uma "engenharia liter?ria permeada de compreens?o e humanidade, retrato impec?vel e melanc?lico de um g?nio", segundo depoimento do grande jornalista Alberto Dines.
Lecticia Cavalcanti coordena o caderno Sabores da Folha de Pernambuco, escreve na Revista Continente Multicultural e no site pe.360graus.Fale com Lecticia Cavalcanti: lecticia.cavalcanti@terra.com.br
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