Monteiro Lobato e a sua obra "pol�mica"


Zulu Ara?jo
De Bras?lia (DF)

No pr?ximo dia 25 de Maio, celebra-se no mundo inteiro o Dia da ?frica, data em que foi fundada a Organiza??o da Uni?o Africana (OUA), que tinha e tem como objetivo maior o desenvolvimento do continente africano. Inicialmente pensei em escrever sobre o significado desta data para o Brasil e fazer uma breve reflex?o sobre como o Governo brasileiro, ano passado, saudou este dia, por meio da realiza??o do II Encontro Afro Latino, evento que contou com a presen?a de 12 pa?ses latino-americanos e 05 organiza??es internacionais, dentre elas a Unesco e centenas de intelectuais e ativistas afro latinos. Mas, ao abrir o Jornal O Globo, fiquei estarrecido de tal forma, que resolvi meter o bedelho, n?o cient?fico, no que a grande imprensa e alguns letrados brasileiros chamam de "pol?mica" sobre a obra de Monteiro Lobato.

Quando, em outubro de 2010, o Conselho Nacional de Educa??o fez recomenda??es para o uso de notas explicativas sobre o uso da obra de Monteiro Lobato nas escolas, devido aos estere?tipos e conte?dos racistas, n?o dei muita import?ncia por considerar que era chover no molhado. Mas, jamais imaginei a gravidade do assunto. S? depois que li a magnifica "Carta Aberta" de Ana Maria Gon?alves ao cartunista Ziraldo, seguramente o maior libelo no combate ao racismo institucional dos ?ltimos tempos, ? que me dei conta. Ao ler a opini?o de Monteiro Lobato sobre a Ku Klux Kan, que reproduzo abaixo, fiquei estupefato!

Vejam o que diz o nosso ilustre escritor sobre o Brasil
- "Pa?s de mesti?os onde branco n?o tem for?a para organizar uma Ku Klux Kan ? pais perdido para altos destinos... Tiv?ssemos a? uma defesa dessa ordem, que mant?m o negro no seu lugar, e estar?amos hoje livres da peste da imprensa carioca - mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mesti?agem do negro destroem a capacidade construtiva".

N?o vou aqui repetir os demais argumentos usados pelo escritor para destilar o seu ?dio aos negros e a mesti?agem, que a mat?ria do O Globo cita, pois o texto acima ? revelador em si mesmo do que pensava Monteiro Lobato. O que me chama aten??o ? que, apesar de evid?ncias t?o fortes e pujantes, ainda assim, existem figuras eminentes da inteligentsia brasileira que as titulam de " ideias pol?micas". Ali?s, virou moda nos ?ltimos tempos taxar de pol?mico, tudo aquilo que ? conden?vel aos olhos dos direitos humanos e da igualdade racial. No meu entendimento n?o h? qualquer pol?mica no texto de Monteiro Lobato, h? sim, uma afirma??o clara da sua admira??o e concord?ncia com os m?todos utilizados por uma das institui??es mais racistas e cru?is da hist?ria da humanidade. T?o cruel, que mesmo nos Estados Unidos, um pa?s sabidamente segregacionista, ela foi banida formalmente no ano de 1872, por ser reconhecida como uma entidade terrorista.

Um outro argumento largamente utilizado pelos que defendem o uso da obra de Monteiro Lobato "ipsis litteres" ? de que n?o podemos abrir m?o ou censurar um escritor t?o talentoso por conta de algumas diatribes que ele por ventura tenha feito na sua exist?ncia. Diatribes simples e inocentes como defender, escrever e estimular o racismo e a pratica racista, por meio da eugenia, como solu??o para o Brasil. E que n?o digam que era o contexto hist?rico que o levou a ter estas posi??es. Como afirmei anteriormente, desde o final do s?culo 19, a Ku Klux Kan, j? era considerada uma institui??o criminosa. Portanto, este argumento ? t?o pueril e insidioso que pode levar o p?blico imaginar que n?s, os "politicamente corretos", "chatos" e "criadores de caso" estar?amos contra o talento e os talentosos. Como se racistas, nazistas ou fascistas n?o pudessem ser talentosos. Sendo assim, por que n?o reabilitarmos Goebbels, Mengele ou Eichmann, afinal, apesar dos crimes hediondos que cometeram eles tamb?m eram reconhecidamente talentosos.

Enfim, o que desejamos para o Brasil, na celebra??o do Dia da ?frica, e em particular para as nossas crian?as e adolescentes ? que elas n?o sejam v?timas deste olhar e desta ideia que grassou e criou ra?zes no Brasil, de que os descendentes de africanos s?o burros, feios, incompetentes e respons?veis por todos os males que o pa?s possui. Mais que isso, que o Brasil deixe de tratar esta quest?o de forma hip?crita e reconhe?a, definitivamente, que 400 anos de escravid?o s? ser?o superados se formos corajosos o suficiente para enfrentarmos o crime de lesa humanidade que aqui foi cometido com serenidade, firmeza e generosidade.

Toca a zabumba que a terra ? nossa!

Zulu Ara?jo ? arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Funda??o Cultural Palmares (2003/2011).

Fale com Zulu Ara?jo: zuluaraujo@terra.com.br
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