
De S?o Paulo
Diferentemente de outras cidades, como Rio de Janeiro e Porto Alegre, a Marcha da Maconha em S?o Paulo foi palco de uma viol?ncia e intoler?ncia raramente vistas.
Ao que se depreende das not?cias veiculadas pela imprensa, a repress?o n?o se deu pelo uso coletivo de entorpecentes, mas pela insist?ncia dos manifestantes em querer simplesmente se manifestar.
A subst?ncia t?xica mais consumida parece ter sido mesmo o g?s lacrimog?nio, disparado a granel pela pol?cia, como se v? nas imagens de TV.
Ser? que podemos dizer que defender a legaliza??o da maconha seja mesmo uma apologia ao uso das drogas?
Se a manifesta??o fosse de gestantes pela n?o criminaliza??o do aborto, dir?amos que se se tratava de uma apologia ? interrup??o da gravidez?
A democracia ? constru?da por contrastes. ? natural divergir e faz parte das regras respeitar o pluralismo.
Pode ser pluralismo defender algo que hoje ? il?cito?
Pois ? o que os ruralistas fizeram ao pleitear mudan?as no C?digo Florestal. Com a significativa diferen?a de que com a revis?o do C?digo, busca-se expressamente a anistia para todos aqueles que j? cometeram os atos il?citos de desmatamento.
O debate quanto ? descriminaliza??o dos entorpecentes, ali?s, est? em pauta no mundo inteiro. Por que estaria proibido por aqui?
A democracia fica menor cada vez que uma manifesta??o ? reprimida a bala.
Nesses momentos, ? imposs?vel n?o se lembrar dos anos de ditadura e as tantas passeatas que foram interrompidas na base do cassetete.
De l? para c?, todavia, uma nova Constitui??o foi escrita e nos acostumamos a cham?-la de cidad?, justamente por assegurar o direito ? reuni?o, ? livre manifesta??o sem necessidade de autoriza??o e ? liberdade de express?o sem censura pr?via.
Nada disso parece ter comovido as autoridades paulistas.
A nostalgia da repress?o chega, curiosamente, em um momento de despertar da cidadania, em sua acep??o mais leg?tima.
Estamos no limiar da constru??o de uma nova pol?tica, ainda que n?o saibamos exatamente qual ser? ela.
As redes sociais aproximam as pessoas de tal forma, que n?o est?o mais sendo necess?rias lideran?as para convocar ou promover manifesta??es, suprindo, para o bem ou para o mal, uma enorme crise do sistema representativo, que atinge governos e oposi??es.
Os exemplos da Pra?a Tahir, e de v?rios outros pontos pelos quais sopraram os ventos da primavera ?rabe, mostraram a velocidade da dissemina??o nas redes sociais, e sua enorme influ?ncia na capacidade de mobiliza??o. O Egito derrubou um ditador de d?cadas, sem um ?nico l?der governando as massas.
At? S?o Paulo provou um pouco dessa nova espontaneidade, com o churrasco da 'gente diferenciada'. Marcado por um convite no Facebook, agregou em cascata centenas de pessoas indignadas com o preconceito como motor de recusa a uma esta??o de Metr?.
Desde o dia 15 de maio, mais de uma centena de pra?as espanholas est?o repletas de jovens, de desempregados e de aposentados, clamando por uma democracia real, que n?o os exclua das riquezas do pa?s e n?o os marginalize nas decis?es.
Reuniram-se sem l?deres e sem partidos e passaram a cobrar perspectivas que a Espanha vem lhes negando: "Se n?o nos deixam sonhar, n?o os deixaremos dormir", dizem em um de seus mais repetidos slogans.
D? pra pensar na nostalgia dos anos de chumbo?
N?o h? espa?o nesse admir?vel mundo novo para uma democracia que interdite o debate, um Estado que decida apenas ouvindo suas elites, uma pol?tica que sirva para o enriquecimento de seus burocratas, e ju?zes que se estabelecem como censores.
Alguma coisa est? fora da ordem e isso n?o ? necessariamente ruim.
Marcelo Semer ? Juiz de Direito em S?o Paulo. Foi presidente da Associa??o Ju?zes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: ess?ncia do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Imposs?vel" (Malheiros) e do romance "Certas Can??es" (7 Letras). Respons?vel pelo Blog Sem Ju?zo.Fale com Marcelo Semer: marcelo_semer@terra.com.br ou siga @marcelo_semer no Twitter Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine.