Suponhamos


S?rio Possenti
De Campinas (SP)

Para fazer a den?ncia das aventuras de Palocci, um jornal conta ao leitor que analisou documentos, fez c?lculos etc. Nos dias seguintes, revela mais detalhes, cita os desmentidos, os desmentidos dos desmentidos, novos nomes, novos n?meros. Retoma-se o caso Francenildo etc.

Suponhamos que a m?dia tratasse da mesma forma o caso livro do MEC. Em uma p?gina, encontra duas ou tr?s passagens das quais suspeita. Ent?o, l? o cap?tulo, depois, l? o livro. Acha que tem alguma coisa estranha. Vai mais fundo: considera o fato de que se trata de um livro aprovado e distribu?do pelo MEC. Obviamente, querer? saber se h? mais algum implicado. Analisa outros livros de portugu?s abonados pelo Minist?rio. Encontra coisas semelhantes, pelo menos em um cap?tulo em cada manual. Desconfiada, porque nunca ouviu falar disso (s? conhecia o manual da reda??o), decide investigar se ? coisa do PT. Avan?a sobre os livros de portugu?s distribu?dos no governo anterior, na certeza de que n?o encontrar? nada disso (imagina!). Mas encontra. Tenta descobrir que conversa ? essa.

O rep?rter pede uma di?ria extra, ou pede socorro ? sucursal e ganha um refor?o (parece ser coisa que vale a pena...). L?em os Par?metros Curriculares, do primeiro governo FHC (e que s?o um pouco confusos, mas deixa pra l?). Encontram passagens como "A discrimina??o de algumas variedades lingu?sticas, tratadas de modo preconceituoso... Por isso mesmo, o preconceito ling??stico...". Ficam apavorados. Verificam quem s?o os culpados. Consultam a bibliografia e encontram uma lista de autores, nacionais e estrangeiros, uns mais antigos, outros mais recentes. D?o umas googladas (linguistic prejudice etc). Acham os temas meio complicados! Incr?dulos, conferem os "cr?ditos": Presidente da Rep?blica: Fernando Henrique Cardoso (continuaria comunista?); Ministro da Educa??o: Paulo Renato Souza.

Como t?m interesse em apurar a verdade, procuram Paulo Renato, que foi o "ministro dos PCNs". Querem entender melhor essa coisa estranha. Ele informa que v?rios dos que trabalharam na elabora??o dos Par?metros s?o paulistas, e fizeram um trabalho semelhante durante o governo Montoro (um petista doente!). Basta ir ? CENP, ?rg?o da Secretaria da Educa??o do Estado, e ver os documentos, ele diz. V?o. Descobrem os textos do Projeto IP? (como s?o radicais!), que foram distribu?dos a todas as escolas do Estado, distribui??o seguida de numerosos cursos para professores de portugu?s, em diversas cidades do Estado e, na capital, para coordenadores pedag?gicos e coordenadores da ?rea. Est? escrito: Governador: Montoro; Secret?rio da Educa??o: Paulo Renato. Dois criptocomunistas, eles pensam. Mas era apenas o primeiro governo democr?tico do Estado depois dos interventores!

Na CENP, encontrar?o tamb?m, e ler?o (acredito na imprensa livre e objetiva!), uma PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE L?NGUA PORTUGUESA - 1? GRAU. Descobrem que ? mais radical do que o livro do MEC. E que o documento ? de 1991. Governador? Fleury Filho, not?rio esquerdista. Secret?rio de Educa??o? Fernando Morais (escreveu A Ilha, xii!!), um dos que falaram mal do livro do MEC na ISTO? da semana. Pode-se supor que leu pelo menos o documento da Secretaria que comandava, secret?rio competente e respons?vel que era.

No intervalo, l?em reportagem da FSP, ao lado da qual est? um texto clar?ssimo de Tha?s Nicoletti. Decidem n?o levar em conta (concluem que a FSP tamb?m est? recheada de comunas). Souberam de um artigo de H?lio Schwarztman na Folha.com, que disseminava as id?ias stalinistas de Noam Chomsky (ele se chama Noam Avram, ? suspeito!) e as leninistas de Steven Pinker. N?o gostam; sentem-se mais confort?veis com Augusto Nunes e Alexandre Garcia.

Poder?o ler tamb?m Criatividade e gram?tica, assinado por Carlos Franchi, que ? de 1998 (o governador era o xiita M?rio Covas e a Secret?ria da Educa??o, a mao?sta Teresa Neubauer da Silva!), um documento dirigido a professores, que, entre outras coisas, reduz a p? algumas an?lises gramaticais que fazem sucesso, por serem simples... e erradas (pode-se demonstrar, n?o ? quest?o de ideologia, e dizem respeito a categorias como adv?rbio, sujeito, n?o ? varia??o lingu?stica, esse tema de extrema esquerda). Do mesmo autor, poder?o ler um fasc?culo breve, menor que o registro de uma empresa, eu acho (mas nunca vi um), chamado Mas o que ? mesmo "gram?tica"?, capaz de desasnar uma pessoa (que o deseje) em pouco mais de uma hora.

Na CENP, algu?m lembra vagamente que houve um primeiro movimento nessa dire??o j? durante o governo do amigo de comunistas Paulo Egydio (que o seguinte, de Paulo Maluf, enterrou; ele gostava mais da ROTA). Pedem refor?o. O jornal poderia enviar um especialista como faz quando o furo (barriga?) ? relativo a um tema um pouco menos ?bvio?

Por que este caso n?o foi rastreado?

N?o entendi

N?o entendi (mesmo!) a bronca em rela??o ao livro Por uma vida melhor. Num texto que escrevi para o caderno Ali?s (Estad?o, 22/05), cheguei a dizer que o cap?tulo era conservador. Reafirmo que ?. Por isso, n?o consigo mesmo atinar com a origem da estrondosa rea??o. Afinal, o prof. Pasquale ministrou centenas de aulas do mesmo tipo na TV Cultura. A diferen?a principal ? que ele "partia" de letras de m?sica nas quais identificava um "erro" e, em seguida, dizia qual era a regra que deveria ser seguida "no formal". Mas ele nunca corrigiu as letras das m?sicas. Nenhuma diferen?a de fundo, portanto. Foi a palavra "preconceito"? Foi "pode"?

S?rio Possenti ? professor associado do Departamento de Lingu?stica da Unicamp e autor de Por que (n?o) ensinar gram?tica na escola, Os humores da l?ngua, Os limites do discurso, Quest?es para analistas de discurso e L?ngua na M?dia.
Fale com S?rio Possenti: siriopossenti@terra.com.br Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine. O livro Por uma vida melhor, do MEC, cont?m trecho sobre usar a express?o "os livro"
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