De S?o Paulo
Grande semana, se o assunto for a pris?o de homicidas e genocidas, pessoal que varia na quantidade de destrui??o produzida, mas n?o na natureza dos atos que praticam. E sinto que o Pimenta Neves era uma espinha trancada na garganta de muita gente nesse pa?s. A imagem dele ? solta nos remetia para o pior do que entendemos como imunidade das classes mais favorecidas no Brasil. Via recursos legais - uso intensivo de todo tipo de artif?cio, alta capacidade de pagamento de advogados que conhecem os caminhos e a dire??o dos ventos -, ladr?es conhecidos e criminosos confessos t?m conseguido se manter por anos sem fim ao largo dos seus destinos. Mas, para a constru??o de sociedades, de normas com as quais as pessoas concordem o suficiente para poderem sob elas viver, exemplos s?o algo entre o importante e o essencial.

Agora, a justi?a brasileira finalmente faz a sua parte, mesmo que em parte. J? numa coluna aqui no bravo Terra Magazine, em 2007, eu clamava contra essa injusti?a promovida pelo nosso sistema de justi?a e voc?s podem ler aqui o que eu dizia l?. E nessa semana finalmente o STF negou o ?ltimo dos ?ltimos recursos e Pimenta Neves foi para a cadeia. E aproveitando o embalo, s?rvios prenderam Ratko Mladic, o respons?vel pelo assassinato de 8 mil mu?ulmanos na B?snia, em 1995, e tamb?m foi preso Bernard Munyagishari, lider Hutu do horrendo massacre de Ruanda. D? um certo al?vio, n?o ? mesmo, estimad?ssimos leitores? Mesmo que n?o d? pra achar que a gente vai subitamente melhorar, ? tamb?m dando exemplos de que melhoramos, que iremos melhorar. Onze anos esperou Pimenta Neves pela pris?o, mas ela veio. Por quinze anos esses outros dois malucos permaneceram foragidos, mas a justi?a, mesmo que lenta, lent?ssima, foi persistente, o que tamb?m ? um meio-exemplo de como conduzir os neg?cios.
Uma vez, quando morava nos Estados Unidos, me perguntaram se eu n?o gostaria de um green card, uma eventual perman?ncia e cidadania, e eu falei que n?o. Mesmo que eu aprecie muitas coisas no modo americano, entre elas Nova York quase por inteiro, tortas de cereja e coisinhas como literatura, m?sica e cinema de primeir?ssima, eu nunca seria cidad?o de um pa?s que tivesse a pena de morte. Ou seja, eu n?o seria saudita, iraniano, chin?s ou americano. A pena de morte pode ser a ?nica puni??o ? altura de quem comete o crime definitivo, removendo de um outro ser humano toda e qualquer chance de respirar a vida, ver o mundo, aproveitar a sensa??o inigual?vel de estar nele. Mas a pena de morte, um ritual estatal de assassinato tecnicamente aperfei?oado at? a exaust?o, transforma a todos os cidad?os, a mim, o senhor aqui ao lado, a todos n?s, em executores. Uma sociedade de executores ? um lugar ?rido e cruel demais, ruim at? os ossos e nela eu jamais viveria.
Para assassinatos n?o existe uma puni??o adequada ao crime e aceit?vel para pessoas que preferem viver em uma sociedade s?. Se a pena de morte ? excessiva, a cadeia ? generosa, porque nela os condenados seguem vendo o sol, de um formato talvez menos circular, seguem sentindo. Como sociedade, optamos pela generosidade, e ? melhor assim, mesmo que puni??es se transformem em menos do que deveriam ser para serem o que deveriam representar.
Pimenta Neves escolheu postergar at? o infinito e ver no que dava. Se tivesse preferido pagar a sua pena, aceitar e purgar a culpa no que isso ? poss?vel diante da sociedade, cumpridos seus anos em cela ou no semi-aberto, seria um homem livre, e diante dos nossos olhos, um ex-condenado e ex-preso, um ser diferente, mas pertencente ? humanidade, mesmo que em uma categoria especial. Ele, ao contr?rio, preferiu a fun??o de p?ria. Nos ludibriou por 11 anos, transformou a si mesmo em um s?mbolo, e agora, mesmo que saia em pouco tempo, beneficiado pela idade e outros detalhes t?cnicos, vai continuar sendo um p?ria, daqueles que fariam a baronesa Carneiro da Cunha e eu sairmos do restaurante em que ele entrasse. J? havia para Pimenta Neves uma pena definida, h? anos. Por evit?-la, ele escolheu para si mesmo algo muito mais definitivo e sem volta. Viver sem liberdade ? terr?vel. Viver sem uma alma tem que ser algo horr?vel. Mas, se isso foi o que ele escolheu, quem sabe n?o era exatamente o que merecia? In dubio, pro reo, diz o Direito. Ent?o, que assim seja.
Marcelo Carneiro da Cunha ? escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens est?o sendo produzidos a partir de seus romances "Ins?nia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
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