
De S?o Paulo
N?o ? de hoje que eu acho esquisito que um povo como o nosso, com um incr?vel senso de humor no varejo, crie humor de qualidade t?o ruim quando a coisa ? profissional. Parece que somos engra?ad?ssimos quando a situa??o n?o pede, e sem-grac?ssimos quando somos pagos para fazer rir. Na nossa televis?o, com a honrosa exce??o de exce??es como o TV Pirata, Casseta e Planeta e os bons especiais do Guel Arraes, imperou e impera a tristeza generalizada. Nosso humor sempre andou pelo pastel?o, pela chanchada, pelo riso pesado em vez da leveza bem humorada que ajuda a vida a deslizar por a?. Na compara??o com o acachapante humor ingl?s, com o brilhante humor americano (em grande parte produzido pela por??o judaica da popula??o de New York), a gente se sai muito, muito mal. Os argentinos mesmos, aqui ao lado, podem ser excelentes - videm o grupo Les Luthiers como demonstra??o do abismo entre n?s e eles.
E eis que nesses tempos globalizados importamos uma forma de humor americana por excel?ncia, o stand up, que faz um sucesso desenraizado em nossas bandas. Importamos a forma, esquecemos uma coisinha no caminho, e o resultado ? esse que se manifesta ultimamente, nos ditos, feitos e acontecidos de gente como Danilo Gentili, Rafinha Bastos, Diogo Portugal e assemelhados, uns deles amplificados pelo espa?o televisivo do CQC.
Stand up ? a afirma??o do indiv?duo sobre todas as coisas, talvez por isso combine t?o bem com a vis?o americana de mundo. Se ele ? essa afirma??o, ent?o o indiv?duo precisa entregar o que promete, porque sobre os ombros dele se ap?ia a humanidade. Haja cren?a, ousadia, convic??o e gog?. Haja texto. E n?o temos.
Nada, caros leitores, nada mesmo, exceto uma eventual extra??o de v?rios sisos sem o benef?cio de uma anestesia, pode ser pior do que humor sem gra?a. Humor sem gra?a come?a pela falta de intelig?ncia e informa??o e desaba na falta de humanidade.
Fazer piada de judeus sendo levados a Auschwitz ? um exemplo do que eu estou falando. Dizer que somente mulheres feias s?o estupradas, ou algo do tipo, tamb?m.
O humor costuma ser c?ustico, prezados leitores. Brincar com nossos advers?rios, brincar com nossos amigos, apontar fraquezas nos outros, melhor ainda se for em si mesmo, ? uma maneira de passear pelos aspectos mais dolorosos de nossa curta exist?ncia. Isso, ? do jogo. Algumas das coisas mais divertidas que lemos ou vemos s?o razoavelmente cru?is. V?rias delas raspam o mau gosto, ou mesmo flertam com ele.
Mas tudo isso pode ser feito, e muito bem, sem mergulhar na fei?ra poss?vel da vida, e essa ? a grande li??o que uns aprendem, outros nunca. O humor foi criado para podermos dizer o que n?o deve ser pensado, e sairmos chamuscados, mas vivos. O humor serve para dizermos o que nos levar? ao fuzilamento, dito de outra forma. Mas o humor n?o foi feito para reduzir, magoar, e, especialmente, oprimir. Piadas ?tnicas podem ser uma forma suprema de justificar o racismo. Sexo ? engra?ad?ssimo, e homens durante o sexo, mais ainda. Estupro n?o tem nada, mas nada mesmo, de engra?ado, se ele ? o que eu imagino que seja.
Jamais algu?m ler? algo nessa coluna defendendo a censura, caros leitores. Eu acredito e defendo o direito desses maus humoristas de dizerem todo o tipo de asneira, at? mesmo por ser o que eles conseguem fazer e todo mundo precisa viver de alguma coisa. Acredito que h? limites, como demonstrado agora pelo ?ber-imbecil Lars von Trier e seu discurso nazista. Acho que o Capit?o Bolsonaro comete crimes, e por isso pode ser punido, mas n?o por expressar opini?es, ?bvio. Express?o ? livre, desde que n?o promova crimes e ?dios. A sociedade precisa tanto de liberdade quanto de limites, e saber onde come?a um e termina o outro ? um truque t?o dif?cil quanto saber o que ? ou n?o, bom, excelente humor, e o que ? apenas vazio e grosseiro.
Esses caras n?o s?o humoristas; s?o apenas pessoas que dizem coisas tolas a partir de um certo tipo de p?lpito. O p?lpito os legitima. O que dizem, os desmonta. N?o precisamos de leis para proteger o mundo dessas tolices. Precisamos apenas dizer a eles o que s?o, afirmar que o que falam n?o merece ser ouvido, ou, especialmente, pago.
Sem gra?a, o mundo fica frio como uma noite de inverno na Paulista. Sem humor, o mundo se esteriliza. Com o que esses caras dizem ele se imbeciliza, e disso, simplesmente, n?o precisamos. Precisamos t?o somente juntar o que sabemos fazer, com o que fazemos. Que seja esse um bom desafio para o s?culo que come?a, que a Dilma crie um PAC somente para esse fim. Se tudo vale a pena quando a alma n?o ? pequena, tudo se enche de gra?a quando a gente, por sorte e compet?ncia, chega e fica na gra?a. T?o simples, t?o claro. S? falta, agora, fazer.
Marcelo Carneiro da Cunha ? escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens est?o sendo produzidos a partir de seus romances "Ins?nia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.Fale com Marcelo Carneiro da Cunha: marceloccunha@terra.com.br
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