O C�digo e o sangue


Os extratitivistas Jos? Cl?udio Ribeiro da Silva e Maria do Esp?rito Santo da Silva, assassinados nesta ter?a-feira (24) Os extratitivistas Jos? Cl?udio Ribeiro da Silva e Maria do Esp?rito Santo da Silva, assassinados nesta ter?a-feira (24)Felipe Milanez
De S?o Paulo

"Qualquer coisa que eu fale, e qualquer coisa que eu escreva, tem l?grima. Eu acho que a tinta, quando eu to escrevendo, ela ? borrada pela lagrima". Pausa. Choro. L?grimas.

E dona Maria continua: "A ousadia. Ela ? uma coisa que alimenta, para mim. Alimenta a luta". Mais choro.

Estamos sentados na varanda de sua casa, no assentamento agroextrativista Praia Alta Piranheira. Faz um dia bonito, sol forte, m?s de outubro de 2010. A varanda ? o "escrit?rio" de Dona Maria, disse o marido seu Z? Cl?udio.

Seu Z? Cl?udio anda impaciente, enquanto dona Maria est? sentada conversando comigo. Ele fica nervoso. Sabe que ela fala. E dona Maria conta as amea?as que eles t?m sofrido. Intimida??es. Recados. As ang?stias. Os madeireiros que querem cortar as castanheiras. Os carvoeiros que querem fazer carv?o. Os fazendeiros que querem pasto. ? mulher forte. E sens?vel. Est? concluindo a disserta??o de mestrado - "quero estudar o nosso projeto de assentamento. Quem vem fazer pesquisa aqui, vem e vai, n?o volta." Ela quer fazer um livro. Porque acha que as hist?rias devem ficar escritas.


Foto: Felipe Milanez

Ela me disse coisas muito bonitas. Cheia de l?grimas:

"Quando criou esse assentamento, pra mim era uma coisa t?o distante. E eu sou do campo. Meu pai era do campo, nunca criou boi, sempre colheu da floresta. Com esse projeto, eu, como lideran?a dos povos extrativistas, toda a minha trajet?ria, chegando aqui, essa hist?ria de luta que n?s estamos construindo aqui dentro. Todas as coisas bonitas. Foi um modelo em 1997. Hoje, contamos com o Conselho Nacional dos Seringueiros e a Comiss?o Pastoral da Terra. Ningu?m mais ap?ia. Isso foi me angustiando. Surgiu a id?ia de escrever um livro. O projeto ta sendo saqueado a cada momento, a biodiversidade est? desaparecendo.

Os demais, s?o s? omissos.

Tem que ficar alguma coisa escrita. N?o pode eu fazer s? o trabalho para universidade. Mas para eu deixar alguma coisa para as futuras gera??es. Se voc? voltar daqui a um m?s, ou daqui 10 anos, n?o importa. O dia que voc? voltar aqui voc? vai encontrar as mesmas pessoas, s? um pouco mais velhas, j? que a cada dia a gente envelhece. Mas a floresta ? essa mesma. A id?ia ? essa mesma."

Seu Z? Cl?udio, um bravo guerreiro, estava revoltado com a venda ilegal de madeira: "quem compra?" E se dizia o verdadeiro ambientalista: "por que eu moro na floresta, eu vivo nela, e n?o vendo."


Foto: Felipe Milanez

O casal foi assassinado na manh? desta ter?a-feira, por volta das 7:30, a cerca de 8 km de sua casa, enquanto iam para Marab?. Dilma mandou que a Pol?cia Federal investigasse - mandar a pol?cia investigar um crime seria necess?rio se n?o houvesse uma lei que obrigue a tanto. Mais justo teria sido o Planalto mandar algum representante para acompanhar as investiga??es, ao local, como foi feito no assassinato da irm? Dorothy Stang.

No mesmo dia do crime, ? noite, a C?mara dos Deputados aprovou o projeto do novo C?digo Florestal.

Na plen?ria, o deputado Sarney Filho (PV), leu trechos de uma reportagem que escrevi sobre Z? Cl?udio (http://www.viceland.com/blogs/br/2010/10/28/ze-claudio-e-a-majestade/). Z? Cl?udio dizia amar a floresta, e queria que suas cinzas fossem enterradas junto da Majestade - a linda e imponente castanheira que ainda est? de p?, dentro do seu lote. Muitos no plen?rio se emocionaram. Alguns choraram. Como eu choro quando releio o texto. Como as l?grimas que est?o no teclado enquanto escrevo esse texto.

O assassinato do casal poderia t?-los tornado m?rtires em defesa da floresta. Mas nesse mesmo dia, os representantes da na??o preferiam apontar um caminho diferente para o futuro: aquele onde a floresta, se continuar a existir, n?o ter? import?ncia para os brasileiros. Onde a biodiversidade, que tanto encantava seu Z? Cl?udio Ribeiro da Silva e dona Maria do Esp?rito Santo, corre o risco de ser reduzida a pasto e boi. Num campo marcado de sangue.

Felipe Milanez ? jornalista e advogado, mestre em ci?ncia pol?tica pela Universidade de Toulouse, Fran?a. Foi editor da revista Brasil Ind?gena, da Funai, e da revista National Geographic Brasil, trabalhos nos quais se especializou em admirar e respeitar o Brasil profundo e multi?tnico.

Fale com Felipe Milanez: felipemilanez@terra.com.br

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