Preconceito descortina pa�s pouco cordial


Marcelo Semer
De S?o Paulo

Homofobia, xenofobia, sexismo. Ojeriza ao pobre e um renascido antissemitismo.

Houve de tudo um pouco no card?pio t?trico dessa ?ltima semana de nenhum orgulho e muito preconceito.

Onde foi parar, afinal, aquele Brasil, um pa?s de todos?

O deputado Jair Bolsonaro acusa seus colegas de querer transformar crian?as em gays - como se uma campanha contra a intoler?ncia pudesse controlar orienta??es sexuais.

Pelo sim, pelo n?o, a bancada religiosa impede a aprova??o da lei que criminaliza a homofobia, para que os portadores das palavras de f? e esperan?a possam gozar da liberdade de disseminar preconceitos.

Parece piada, mas n?o ?.

E o que ? piada nem parece.

Rafinha Bastos tenta em v?o fazer rir ao dizer que "toda mulher que se diz v?tima de estupro ? feia". O estuprador, ent?o, n?o merece pena, mas um abra?o. Ria-se com um barulho desses.

Rafinha, o homem mais influente do Twitter, segundo o nada desprez?vel New York Times, n?o est? sozinho nesse novo humor bolsonaro, que busca agredir e chocar, custe o que custar.

Seu colega Danilo Gentili tu?ta a um milh?o e meio de seguidores grotesca piada com o Holocausto, para justificar uma imagin?ria avers?o de judeus a vag?es, sem compreender o que havia de preconceito de classe no rep?dio ao Metr? em Higien?polis.

Moradores do bairro fizeram um abaixo-assinado contra a esta??o Ang?lica, e uma psic?loga descortinou em entrevista o principal motivo da rejei??o: a chegada ao bairro de uma "gente diferenciada" que acompanha esta??es de Metr? - drogados, mendigos e, enfim, faltou acrescentar: pobres de todo o g?nero.

A rea??o positiva e bem-humorada ao preconceito se deu com um churrasco-manifesto diante do luxuoso shopping Higien?polis, s?bado ?ltimo, em uma mobiliza??o espont?nea e sem l?deres, provocada a partir de um convite que se alastrou no Facebook.

Mas nem o pr?prio Facebook escapou inc?lume da semana tr?gica.

O site de relacionamentos censurou a foto de perfil de uma mulher amamentando.

A imagem era justamente o ponto de partida para a campanha contra a proibi??o de amamentar em p?blico, tomada pelo instituto Ita? Cultural. A campanha acabou resultado em um "mama?o" diante da pr?pria institui??o.

Curioso como o sexismo convive bem com a exposi??o er?tica, mas n?o com o ato de sa?de e carinho que ? mais pura express?o do amor materno. Corpo nu da mulher s? como objeto, jamais como sujeito.

Infelizmente, por?m, nem todos os atos de preconceito ganharam a mesma indigna??o na rede social.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou reportagem mostrando que com o crescimento de roubos no bairro do Morumbi, a Pol?cia Militar decidiu isolar a favela de Parais?polis com uma opera??o chamada Satura??o.

Os detalhes do tratamento daquela "gente diferenciada" s?o simplesmente impactantes: bloqueios da entrada da favela das 7h ?s 23h, tr?s incurs?es di?rias por suas vielas e ladeiras e soldados armados com potentes metralhadoras revistando as pessoas que entram ou saem da comunidade.

Os desabafos dos moradores n?o repercutiram no Facebook, mas merecem destaque: "Isso s? serve para marcar todos como bandidos"; "Fui levar meu filho ? escola com um monte de soldados e cavalos cercando minha rua".

J? imaginou se isso acontecesse em Higien?polis?

Se todas as pessoas da cidade s?o revistadas quando saem de suas casas, vivemos em um Estado Policial. Mas se apenas os favelados o s?o, vivemos um Estado ainda pior. Naquele que discrimina a suspeita, e em decorr?ncia da maior vigil?ncia, criminaliza a pobreza.

Algu?m duvida que uma Opera??o Satura??o, pr?xima a badaladas casas noturnas, n?o resultaria tamb?m em in?meros crimes vinculados a entorpecentes?

Ou uma revista casa a casa em ruas dos Jardins n?o levaria ? apreens?o de armas ilegais, como muitas vezes se faz nas comunidades com mandados de busca coletivos?

A presun??o de culpa n?o est? distribu?da igualmente pela sociedade.

E n?o est?, porque, afinal de contas, a presun??o de culpa ? nada mais nada menos do que a mais fiel tradu??o do preconceito.

Marcelo Semer ? Juiz de Direito em S?o Paulo. Foi presidente da Associa??o Ju?zes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: ess?ncia do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Imposs?vel" (Malheiros) e do romance "Certas Can??es" (7 Letras). Respons?vel pelo Blog Sem Ju?zo.
Fale com Marcelo Semer: marcelo_semer@terra.com.br ou siga @marcelo_semer no Twitter Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine.
 

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