De S?o Paulo
Resenhado por M. Elizabeth Ginway, da Universidade da Fl?rida
Assembleia Estelar: Hist?rias de Fic??o Cient?fica Pol?tica, Marcello Sim?o Branco, ed. S?o Paulo: Devir Livraria, 2011, 400 p?ginas. Capa de Vagner Vargas.
Com Assembleia Estelar: Hist?rias de Fic??o Cient?fica Pol?tica, Marcello Sim?o Branco organizou uma antologia de textos variados e interessantes, ressaltando a FC brasileira em vez da estrangeira, j? que dos catorze autores s? tr?s s?o americanos - Le Guin, Card e Sterling -, se bem que estes est?o entre os mais conscientes de diferen?as culturais e perspectivas mais internacionais.
A introdu??o da antologia abrange a hist?ria da FC como a "literatura de mudan?a", para usar a frase de James Gunn (autor n?o citado pelo organizador), e oferece um bom panorama do g?nero desde suas origens em Plat?o com A Rep?blica, passando por Thomas More e sua "utopia", para chegar aos tempos modernos. Partindo da tradi??o pol?tica, Branco associa obras de FC com v?rios eventos hist?ricos, como a revolu??o sovi?tica, as guerras mundiais e a guerra fria, citando autores de diversas tend?ncias como Heinlein e Pohl, at? as modernas ou p?s-industriais. Al?m do mais, apresentam-se as vertentes mais cr?ticas como as do feminismo, ecologia e cyberpunk, esta ?ltima, curiosamente sem definir e sem mencionar William Gibson, um dos mais influentes autores do cyberpunk.
O panorama de tend?ncias brasileiras oferece uma meta-hist?ria do g?nero, passando por etapas sat?ricas, eugenistas, aventureiras, e ut?picas que apareceram entre o final do s?culo 19 at? os anos 40 do s?culo 20. Na hist?ria da FC mais contempor?nea, passa por fases da Primeira Onda dos anos 60, para as distopias de autores dos 70 protestando contra o regime militar, para chegar ? Segunda Onda a partir dos anos 80. Segundo Branco, entre os t?picos pol?ticos abordados por esta gera??o h? pol?ticas relacionadas ? regi?o amaz?nica, diverg?ncias hist?ricas em forma de hist?rias alternativas, e vis?es mais pessimistas ou sat?ricas como as de autores cyberpunks. Por?m, omite-se a men??o da Terceira Onda, que s? surge na apresenta??o do conto do escritor Fl?vio Medeiros, uma gera??o que focaliza assuntos e perspectivas mais internacionais.
A introdu??o de Branco tem um prop?sito duplo: oferece uma ampla vis?o do g?nero ao mesmo tempo que serve para explicar a trajet?ria da FC brasileira desde o s?culo 19 at? a atualidade. Isto preenche as lacunas porque a perspectiva da antologia n?o ? de oferecer textos representativos de v?rias ?pocas nem de ilustrar tend?ncias espec?ficas; ao inv?s, quase todos os textos s?o contempor?neos de 2010. O que falta na introdu??o ? uma justificativa ou discuss?o da escolha ou princ?pio organizador dos mesmos. Por isso, a ordem dos textos parece aleat?ria, mudando de assunto e de ?poca sem transi??o. O editor afirma que seguiu o modelo de Asimov em Election Day 2084 (1984), dizendo que esta colet?nea "inspirou a organiza??o deste que voc? tem nas m?os", mas n?o elabora mais. Por isso, tentarei uma organiza??o tem?tica pr?pria, sem seguir a ordem do ?ndice.
Ditadura e Rebeli?o
A ?poca da ditadura ? lembrada em textos da guerrilha e a luta esquerdista. A evoca??o da ditadura est? presente no conto "O Gabinete Blindado" de Andr? Carneiro, mas de forma subjetiva porque ? narrado por uma jovem lutando contra um regime repressor. A milit?ncia e a libera??o sexual evocam os anos 60, ?poca da milit?ncia do pr?prio autor. Portanto, o interessante do texto recai justamente no uso de uma voz narrativa feminina, t?cnica utilizada nesta e s? em mais uma hist?ria, a de Ursula K. Le Guin, "O Dia Antes da Revolu??o" (1974). O conto da autora americana ? sobre uma militante anarquista que, na terceira idade, se lembra da sua juventude e sua vida de luta. Mesmo ? beira da morte, ela lembra que a revolu??o ? um processo que continuar? com ou sem ela. A evoca??o subjetiva de experi?ncia pol?tica ? convincente nestes contos, que trazem finais amb?guos ou abertos para especula??o, em contraste com os outros da colet?nea.
Redemocratiza??o
Entre os t?picos abordados pelos autores brasileiros est? a da redemocratiza??o. No texto do autor portugu?s Lu?s Filipe Silva, "Queda de Roma, antes da Telenovela", o idealismo democr?tico e grandes metas pol?ticas est?o mortos. Sem mem?ria da luta contra regimes ditatoriais, a televis?o toma conta de tudo. Em "Trunfo de Campanha," Roberto de Sousa Causo lida com o problema ?tico de um her?i de guerra pressionado para participar da pol?tica gal?ctica, enquanto em "Saara Gardens", Ata?de Tartari imagina uma elei??o que determinar? o futuro do deserto do Saara num contexto global. A corrup??o ou manipula??o pol?tica brasileira agora aparece num palco mais amplo. No caso de Causo, existe um fim menos c?nico do que as hist?rias de Silva ou Tartari, mas todos questionam o futuro da pol?tica brasileira e sua poss?vel expans?o.
Distopia e as Pol?ticas Neoliberais
A distopia e o futuro pesadelo tamb?m florescem com a ?poca do neoliberalismo em meados da d?cada de 80 e o in?cio de 90, como vemos no caos pol?tico dos contos de Fresnot, Flory e Carqueija. A noveleta "O Cerco de Nova York" (1984) de Fresnot evoca o tema de desastre urbano na metr?pole americana, onde um pol?tico populista inspira rebeli?o nos habitantes de Nova Iorque. Embora esta pol?tica caiba melhor no centro conservador dos EUA e n?o em uma cidade cosmopolita, o di?rio do visitante franc?s em busca de solidariedade e sobreviv?ncia lembra as imagens do atentado real das torres do 11 de setembro. Em "A Pedra que Canta" (1991, atualizado em 2011) de Flory, temos outro futuro de pesadelo com o Brasil em guerra contra a Argentina. Aqui a manipula??o de um jovem para assegurar uma vit?ria brasileira contra o velho inimigo, alude ao romance O Jogo do Exterminador (1983) de Orson Scott Card, s? que o jovem brasileiro tem um "implante" feito no Jap?o. O fato de que o Paraguai tem um l?der e investimento chineses pode se referir ao novo poder econ?mico asi?tico do s?culo 21, e a press?o para uma vit?ria pol?tica e econ?mica do Brasil contra a rival Argentina. O conto de Carqueija, "Era do Aqu?rio", tamb?m lida com o nacionalismo, mas de forma abertamente ir?nica: um senador brasileiro, ap?s ter sofrido v?rios ataques durante um breve trajeto de carro no Rio de Janeiro, fala ante uma plat?ia universit?ria para falar do triunfo da democracia do "pa?s do futuro", numa extrapola??o da pol?tica neoliberal que s? consegue dividir em vez de unir a popula??o.
Hist?rias Alternativas
Duas hist?rias alternativas, uma sobre os integralistas no Brasil e outra sobre John F. Kennedy, s?o textos que continuam um movimento importante da Segunda Onda da FC brasileira. Em "Anau?", Roberval Barcellos oferece o dilema moral do protagonista diante as ordens dos nazistas a respeito da popula??o judaica no Brasil. O precipitado final do conto n?o evoca o mesmo realismo que o in?cio, mas o conto aborda um tema relativamente tabu dentro dos estudos hist?ricos e liter?rios: o fascismo brasileiro. Em "O Grande Rio", Fl?vio Medeiros explora uma viagem no tempo para matar o presidente Kennedy, evitando assim um futuro pesadelo que resulta da sua sobreviv?ncia. Como escritor da Terceira Onda de FC, Medeiros ambienta sua hist?ria de conspira??o inteiramente nos EUA, como admir?vel pesquisa, s? errando a ortografia de John Connely (que deve ser Connolly).
Imp?rio
A futura sociedade baseada no consumismo ? o t?pico do conto "A Evolu??o dos Homens sem Pernas" de Fernando Bonassi. Ensa?stico e abstrato, o conto elabora em p?gina ap?s p?gina, como o constante consumo de bens leva ? desumaniza??o. Estes novos humanos deformados lembram os excessos de uma sociedade consumista e politicamente correta. Quase um quarto da antologia se dedica a um s? texto: "O Originista" (1989) de Orson Scott Card, que utiliza personagens da s?rie Funda??o de Asimov. Mas o texto de Card trata menos de golpes da pol?tica imperial e mais da rela??o ?ntima do protagonista e sua mulher e da sua busca para garantir o futuro da humanidade ap?s a queda inevit?vel do imp?rio.
Cyberpunk
N?o ? ? toa que os ?ltimos contos sejam de cyberpunk - um brasileiro, outro americano - sendo estes os mais cr?ticos e chocantes da antologia. O conto de Carlos Orsi, "Quest?o de Sobreviv?ncia", parece o prot?tipo de FC pol?tica brasileira, n?o s? no assunto, mas tamb?m na sua ambienta??o, num futuro Vale de Anhangaba? polu?do, cheio de indigentes, onde a luta de classes, a quest?o ambiental, e o controvertido uso do leite humano lembram o melhor da FC ambiental dos anos 70 e 80, junto com uma vis?o cyberpunk de rebeldia. O conto de Bruce Sterling "Vemos as Coisas de Modo Diferente" (1989), explora a vis?o de um mu?ulmano em um EUA futuro j? em plena decad?ncia. Como n?o ? de surpreender, o protagonista/narrador realiza sua jihad, mas de forma particular, sutil e insidiosa, desde sua perspectiva ou vis?o do mundo.
Uma cr?tica da antologia seria a falta de participa??o de mulheres, com a exce??o de Le Guin. A antologia de Asimov n?o tem nenhuma escritora, como tamb?m se v? nas novas antologias recentes de Steampunk, Vaporpunk e Dieselpunk. Que eu saiba, at? agora Lugar da Mulher ? na Cozinha, antologia organizada por Martha Argel, ? a ?nica que traz s? escritoras. At? a imagem da capa de Assembleia Estelar retrata tr?s oradores masculinos, um homem branco, um homem de cor, e um rob? masculino, com umas mulheres na plateia. Eu tamb?m teria gostado de ver inclu?do contos como "Guerra Civil" (1997) de Domingos Pellegrini. Nesta hist?ria, grupos de cachorros come?am a atacar popula??es humanas, mas talvez n?o se trate de FC propriamente dita mas uma alegoria pol?tica. Existem pequenos erros ortogr?ficos dos nomes John Wyndham, Cyril M. Kornbluth, Herberto Sales e China Mi?ville, mas fora isto, a edi??o ? boa.
Em geral, Branco oferece uma s?lida orienta??o sem ser pedante na introdu??o, e tamb?m nos resumos e nas biografias que antecedem os contos. Com os temas de redemocratiza??o, mundos dist?picos, hist?rias alternativas, caos urbano, consumismo, e tecnologia, esta antologia pode repercutir tanto para o leitor experiente, quanto ao iniciante no g?nero. Representa uma antologia para provocar discuss?o entre f?s, leitores comuns e at? entre alunos em sala de aula.
--M. Elizabeth Ginway leciona na University of Florida. Uma das maiores especialistas na fic??o cient?ifica do Brasil, ? autora de Fic??o Cient?fica Brasileira e Vis?o Alien?gena.
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