Um trailer pernambucano de Hitchcock


Torcida do Santa Cruz durante a disputa da final do campeonato pernambucano contra o Sport Torcida do Santa Cruz durante a disputa da final do campeonato pernambucano contra o SportRonaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)

O frevo pernambucano mais famoso termina dizendo que o Recife adormecia, ficava a sonhar, ao som da triste melodia. No domingo passado, ? tarde, n?o havia carro nem gente nas ruas do Recife, reinava agrad?vel sil?ncio e s? de vez em quando se escutava um grito que logo morria. De vez em quando estourava um fogo t?mido, sozinho, como se o autor da fa?anha tivesse medo do atrevimento. Mas nem o Recife nem seus moradores dormiam, nunca estiveram t?o bem despertos.

O Recife ? barulhento como a cidade do Cairo - eu nunca a visitei, dizem que ? a cidade mais barulhenta do mundo -, possui um tr?nsito infernal que se agravou nos ?ltimos meses - ? necess?rio cunhar outra palavra para substituir "tr?nsito", porque no Recife os carros e as pessoas n?o transitam, ficam paradas -, e det?m o recorde de buracos por metro quadrado. Mesmo assim, no final de tarde de domingo era poss?vel andar ou dirigir o carro tranquilamente, at? ouvir um concerto de Teleman, sem ter de fechar as portas e janelas de casa, nem ligar o ar condicionado.

N?o, a rainha Elizabeth II n?o estava de visita ? cidade, isso aconteceu faz tempo, mas ainda lembro a decep??o dos recifenses com o figurino mixuruca da majestade, comparado ao das rainhas de maracatu - o mixuruca ? das pessoas que se espremeram em frente ? pracinha do Di?rio para ver a rainha de chap?u de Carlitos. Elizabeth n?o estava numa segunda visita ao Recife, juro, ela apareceu recentemente na televis?o, no casamento do neto, e ir? ? Irlanda, o que j? provocou muitos protestos.

O espet?culo que parou a cidade por duas horas - nem a primeira visita de Jo?o Paulo II, nem a passagem da Nossa Senhora de F?tima viajante conseguiram essa in?rcia - n?o foi o carnaval, claro, porque na festa de Momo ? justamente o contr?rio, ningu?m para de se mexer. Acho que exagerei ao afirmar que a cidade parou. No Est?dio do Arruda, sessenta e cinco mil pessoas n?o deixavam de pular - os n?meros n?o s?o meus, voc?s est?o cansados de saber que pernambucano ? chegado a um exagero e j? andam se pavoneando de que esse foi o maior p?blico de final de campeonato, no domingo. Por aqui tamb?m se afirma que no Recife os rios Capibaribe e Beberibe se juntam para formar o Atl?ntico, o que ? a mais pura verdade.

A essa altura, a cr?nica ficou sem gra?a, pois n?o possuo o menor talento para novelas de suspense e nem gosto de Alfred Hitchcock. O Recife acordado e vibrante sonhava com a vit?ria do Sport ou Santa Cruz. Os dois times brigavam pelo campeonato, como os gladiadores no Coliseu de Roma (perdoem o exagero do comentarista improvisado). A torcida alvirrubra do N?utico, derrotado e fora do p?reo, juntou-se ? do tricolor Santa Cruz. Se o Sport fosse campe?o, tiraria do N?utico o principal orgulho: o t?tulo de hexacampe?o, o ?nico time a alcan??-lo em toda hist?ria do futebol pernambucano.

O Sport ganhou a partida do domingo, mas o Santa Cruz levou o t?tulo. E a?, todo o sil?ncio se desfez: as buzinas buzinaram, os fogos pipocaram sem temor, as pessoas sa?ram ? rua gritando - os b?bados, b?bados e os n?o b?bados, se embebedando. Festa, algazarra, zoeira. A cidade vibrante, viva, ca?tica, carregada de energia. Tanto movimento, tanta for?a. De dar inveja a um escritor. J? pensaram se tudo aquilo fosse para celebrar um grande feito liter?rio? A aclama??o de um her?i das letras! Mas isso ? sonhar demais, ao som da triste melodia.

Ronaldo Correia de Brito ? m?dico e escritor. Escreveu Faca, Livro dos Homens e Galil?ia.

Fale com Ronaldo Correia de Brito: ronaldo_correia@terra.com.br

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