�tica e publicidade no Direito do Consumidor


Rizzatto Nunes
De S?o Paulo

Um dos grandes problemas do consumidor na sociedade capitalista ? o de sua dificuldade em se defender publicamente contra tudo o que lhe fazem de mal. Se ele ? enganado, sofre um dano etc tem de recorrer aos ?rg?os de prote??o ao consumidor ou contratar um advogado. ? verdade que, com as redes sociais da internet e do surgimento de sites de reclama??es, aos poucos, ele vai encontrando um caminho para expressar sua insatisfa??o com os produtos e servi?os adquiridos e tamb?m contra toda forma de malandragem perpetrada por muitos fornecedores.

Mas, ainda ? pouco diante do poder de fogo de empres?rios que se utilizam de todas as maneiras de comunica??o existentes no mercado, tais como publicidade massiva nas tev?s, r?dios, jornais e revistas, que fazem promo??es milion?rias constantemente, que se servem de m?dias integradas, se utilizam de artistas e esportistas famosos para divulgar seus produtos (em confessionais ou por meio de merchandising e participa??o em an?ncios), enfim, ? mesmo uma luta desproporcional.

Alguns empres?rios n?o s? dizem que seus produtos e servi?os s?o maravilhosos - o que nem sempre se constata - como se apresentam como bonzinhos cumpridores de seus deveres e paladinos da justi?a e da ?tica. Quem diria?

E mais: Com o poder de seu dinheiro, alguns fornecedores se organizaram para combater "consumidores que n?o s?o ?ticos"! H? uma associa??o de empres?rios que divulga uma s?rie de an?ncios sobre o assunto, que s?o muito interessantes. Um deles diz: "Quantas vezes voc? j? ouviu algu?m dizer que o Brasil n?o tem jeito, que ?tica ? uma dessas coisas que n?o vingam por aqui e que o pa?s nunca vai mudar. Tem muita gente que vive repetindo isso. Mas, se voc? reparar bem, s?o as mesmas pessoas que compram produtos piratas, produtos sem nota, produtos de proced?ncia duvidosa. Pois ?, enquanto a gente n?o mudar, o Brasil s?o vai ter jeito mesmo. ?tico. ? assim que a gente deve ser".

?ticos. ? mesmo! Todos devem ser!

?tica significa tomar a atitude correta, isto ?, escolher a melhor a??o a tomar ou conduta a seguir. Uma pessoa ?tica tem bom car?ter, busca sempre fazer o bem a outrem. No sistema jur?dico - necessariamente ?tico -, se pode identificar uma s?rie de fundamentos ligados ? ?tica, tais como o da realiza??o da justi?a e a boa-f? objetiva (uma regra de conduta a ser observada pelas partes envolvidas numa rela??o jur?dica. Essa regra de conduta ? composta basicamente pelo dever fundamental de agir em conformidade com os par?metros de lealdade e honestidade. Um standart, um modelo a ser seguido).

Na sequ?ncia, mostro, ent?o, um dos v?rios pontos em que os fornecedores est?o muito longe de uma conduta ?tica. Falarei um pouco sobre a publicidade. (H? muito a dizer sobre a conduta empresarial, como, ali?s, tenho demonstrado em meus artigos e como ainda o demonstrarei em outras oportunidades).

Muito bem. A liberdade de express?o ? uma das mais importantes garantias constitucionais. Ela ? um dos pilares da democracia. Falar, escrever, se expressar ? um direito assegurado a todos.

Mas, esse direito, entre n?s, n?o s? n?o ? absoluto, como sua garantia est? mais atrelada ao direito de opini?o ou ?quilo que para os gregos na antiguidade era cren?a ou opini?o ("doxa"). Essa forma de express?o aparece como oposi??o ao conhecimento, que corresponde ao verdadeiro e comprovado. A opini?o ou cren?a ? mero elemento subjetivo. A democracia d? guarida ao direito de opinar, palpitar, lan?ar a p?blico o pensamento que se tem em toda sua subjetividade. Garante tamb?m a liberdade de cria??o.

Mas, quando se trata de apontar fatos objetivos, descrever acontecimentos, prestar informa??es de servi?os p?blicos ou oferecer produtos e servi?os no mercado, h? um limite ?tico que controla a liberdade de express?o. Esse limite ? a verdade.

Com efeito, por falar em Gr?cia antiga, repito o que diziam: "mentir ? pensar uma coisa e dizer outra". A mentira ?, pois, simples assim.

Examinando essa afirma??o, v?-se que mentir ? algo consciente; ?, pois, diferente do erro, do engano, que pressup?e desconhecimento (da verdade), confus?o subjetiva do que se expressa ou distor??o inocente dos fatos.

Em nosso sistema jur?dico temos leis que controlam, em alguns setores, a liberdade de express?o na sua realidade objetiva. Veja-se, por exemplo, a imposi??o para que a testemunha ao depor em ju?zo fale a verdade. Do mesmo modo, os advogados e as partes t?m o dever de lealdade processual, proibindo-se que intencionalmente a verdade dos fatos seja alterada, adulterada, diminu?da, aumentada etc. Esse dever de lealdade - em todas as esferas: administrativa, civil e criminal - ? a ?tica fundamental da verdade imposta a todos.

O mesmo se d? no regime de produ??o capitalista. Com base nos princ?pios ?ticos e normativos da Constitui??o Federal, o C?digo de Defesa do Consumidor (CDC) regulou expressamente a informa??o e a publicidade enganosa, proibindo-a e tipificando-a como crime.

No que diz respeito, pois, ?s rela??es jur?dicas de consumo, a informa??o e a apresenta??o dos produtos e servi?os, assim como os an?ncios publicit?rios, n?o podem faltar com a verdade daquilo que oferecem ou anunciam, de forma alguma, quer seja por afirma??o, quer por omiss?o. Nem mesmo manipulando frases, sons e imagens para, de maneira confusa ou amb?gua, iludir o destinat?rio do an?ncio: o consumidor. A lei quer a verdade objetiva e comprovada e por isso, determina que o fornecedor mantenha comprova??o dos dados f?ticos, t?cnicos e cient?ficos que d?o sustenta??o ? mensagem.

Aproveito esse ponto para eliminar uma confus?o corrente quando se trata de cria??o e verdade em mat?ria de rela??es de consumo: N?o existe uma ampla garantia para a liberdade de cria??o e express?o em mat?ria de publicidade. O artista goza de uma garantia constitucional de cria??o para sua obra de arte, mas o publicit?rio n?o.

Um an?ncio publicit?rio ?, em si, um produto realizado pelo publicit?rio ou coletivamente pelos empregados da ag?ncia. Sua raz?o de existir se funda em algum produto ou servi?o que se pretenda mostrar e/ou vender. Dessa maneira, se v? que a publicidade n?o ? produ??o prim?ria, mas instrumento de apresenta??o e/ou venda dessa produ??o. Ora, como a produ??o prim?ria de produtos e servi?os tem limites precisos na lei, por mais for?a de raz?o o an?ncio que dela fala. Repito: a liberdade de cria??o e express?o da publicidade est? limitada ? ?tica que d? sustenta??o ? lei. Por isso, n?o s? n?o pode oferecer uma opini?o (elemento subjetivo) como deve sempre falar e apresentar a verdade objetiva do produto e do servi?o e suas maneiras de uso, consumo, suas limita??es, seus riscos para o consumidor etc. Evidentemente, todas as frases, imagens, sons etc do an?ncio publicit?rio sofrem a mesma limita??o.

Infelizmente, nada disso impede que haja an?ncios publicit?rios que enganem o consumidor, com m?todos bem antigos. Uma forma bastante usada ? o "chamariz". Este ? uma modalidade de engana??o que n?o est? necessariamente atrelada ao produto ou servi?o em si. Por exemplo, ouve-se no r?dio o seguinte an?ncio: "Os primeiros dez ouvintes que ligarem ter?o desconto de 50% na compra de tal produto; ou far?o o curso gratuitamente etc". Quando o consumidor liga, ainda que seja logo em seguida, recebe a resposta de que ? o d?cimo primeiro a ligar. Depois recebe o "malho" de venda. Esse tipo de "chamariz" tamb?m ? usado por meio de malas diretas, an?ncios em jornais, na TV etc.

Outro exemplo dessa "t?cnica" ? o "chamariz" da liquida??o. Anuncia-se a liquida??o, com grandes descontos, e, quando o consumidor chega ? loja, a liquida??o ? restrita a uma ?nica prateleira ou estante.

Esse m?todo ? usado em larga escala. H? lojistas, em v?spera de ?poca de liquida??o, que aumentam o pre?o para depois, com o desconto, voltar ao pre?o anterior. E h? lojas que est?o em "liquida??o" ou "promo??o" o ano todo. Existem tamb?m produtos que s?o vendidos de modo que o consumidor nunca saiba qual ? o pre?o, pois na oferta sempre consta algum tipo de desconto. ? o que se chama "vender descontos".

Mais outro caso: o consumidor v? na vitrina uma roupa bonita a pre?o baix?ssimo. Entra na loja, pede a roupa, mas h? um ?nico exemplar, de tamanho fora do padr?o. Ele, ent?o, constrangido, recebe o "ataque" do vendedor, que oferece outros produtos.

O "chamariz" ?, portanto, uma maneira enganosa de atrair o consumidor, para que ele, uma vez estando no estabelecimento (ou telefonando), acabe comprando algo. Muitas vezes, bem constrangido.

Al?m disso, ? de considerar algo evidente: o an?ncio ser? enganoso se o que foi afirmado n?o se concretizar. Se o fornecedor diz que o produto dura dois meses e em um ele est? estragado, a publicidade ? enganosa. Se apresenta o servi?o com alta efici?ncia, mas o consumidor s? recebe um m?nimo de efic?cia, o an?ncio ?, tamb?m, enganoso etc. Enfim, ser? enganoso sempre que afirmar algo que n?o corresponda ? realidade do produto ou servi?o de acordo com todas as suas caracter?sticas.

As t?ticas e t?cnicas variam muito e todo dia surgem novas, engendradas em caros escrit?rios modernos onde se pensa frequentemente em como impingir produtos e servi?os mesmo contra a real vontade do consumidor e tamb?m fazendo ofertas que nunca se realizam efetivamente na realidade. S?o os produtores da mentira dessa sociedade capitalista com pouca ?tica.

A prop?sito e para usar o jarg?o dos pr?prios empres?rios, um pouco adaptado: "Pois ?, enquanto alguns fornecedores n?o mudarem, o Brasil s?o vai ter jeito mesmo. ?tico. ? assim que todos devem ser!"

1 - Pretendo desenvolver o tema da boa-f? objetiva, detalhadamente, em artigo futuro.
2 - Em outro artigo darei mais exemplos.


Rizzatto Nunes ? mestre e doutor em Filosofia do Direito e livre-docente em Direito do Consumidor pela PUC/SP. ? desembargador do Tribunal de Justi?a de S?o Paulo. Autor de diversos livros, lan?ou recentemente "Superdicas para comprar bem e defender seus direitos de consumidor" (Editora Saraiva) e o romance "O abismo" (Editora da Pra?a).

Fale com Rizzatto Nunes: rizzattonunes08@terra.com.br

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