De Natal (RN)
Todos n?s sabemos o quanto os adolescentes se angustiam com os seus corpos. Em especial se somos pais ou professores. Trata-se de algo bem mais complicado e complexo do que a mera insatisfa??o com o que a natureza lhes presenteou. E esse algo ? a base sobre a qual se constr?i alguns dos dramas sociais mais dilaceradoras da vida social contempor?nea. Obviamente, as dores ps?quicas causadas por n?o se ter um corpo idealizado como belo n?o ? uma exclusividade da nossa sociedade, e nem desses tempos em que a apar?ncia parece ser tudo o que importa. Homens e mulheres em tempos, lugares e culturas as mais diversas enfrentaram, com maior ou menor intensidade, esse sofrimento. Mas, na atualidade, o problema adquire contornos novos e inquietantes.
Meninos e meninas gordinhos s?o as v?timas preferenciais do bulling nas escolas. Pessoas com peso acima da m?dia tamb?m sofrem nas entrevistas de emprego. Estes sabem que, por mais capazes que sejam, ser?o avaliados tamb?m pelo corpo que t?m. Os pedagogos da est?tica corporal, inocentes ?teis (ou nem tanto) da lucrativa ind?stria da beleza, entronizam valores e cultivam normas que produzem, nos mais gordos, sentimentos de impot?ncia e derrota. A mensagem ? sempre a mesma: se voc?s s?o como s?o ? porque n?o t?m compet?ncia para a adequa??o necess?ria ao corpo socialmente idealizado.
As meninas fumam cada vez mais cedo, pois, colegas lhes dizem que o cigarro atenua a vontade de comer. Cr?em que fumando ir?o adquirir a desejada magreza. Meninos bebem para esquecer o corpo que t?m e terem coragem de aparecer socialmente. A mistura de bebida alco?lica com energ?ticos causa mortes, especialmente entre jovens estudantes, mas quem h? de questionar um tipo de consumo que, mais do que socialmente legitimado, ? quase um estilo de vida? As meninas, com o tempo, diminuem o consumo de cigarro e adentram no mundo m?gico das anfetaminas. Os meninos, quando rapazes, embriagar-se-?o mais freq?entemente. N?o raras vezes, beber?o antes de assumir a dire??o de autom?veis.

Rem?dios para emagrecimento trazem riscos ? sa?de (foto: reprodu??o)
Mas s?o as mulheres, na faixa dos dezoito aos cinq?enta anos, que pagam os maiores tributos ao sofrimento social (social, dado que, embora vivido na solid?o individual, esse ? um sofrimento partilhado por muitos e sancionado por valores socialmente dominantes) derivado da ditadura do corpo ideal. Nelas, esse sofrimento ? potencializado pela domina??o masculina, que as reduz, como apontou em inspirada obra o soci?logo Pierre Bourdieu, em "instrumentos de exibi??o ou de manipula??o simb?licas".
Sabe-se, extra-oficialmente, que, no ano passado, nada menos que dez milh?es de receitas de anfetaminas foram aviadas. Mais de 90% das consumidoras eram mulheres. Medica??o necess?ria para os obesos m?rbidos, os quais n?o passam de 500 mil no Brasil, as anfetaminas est?o sendo consumidas por motivos est?ticos. Ou, para sermos mais precisos, como uma forma extrema de driblar o sofrimento social com o corpo. O problema ? que, como toda medica??o, as anfetaminas n?o deixam de ter riscos colaterais. Os acidentes vasculares afetam, em m?dia, 16% mais os (na verdade, as) consumidores de anfetaminas do que o restante da popula??o. Esse ? um dado estarrecedor, jogado para debaixo do tapete pelos diversos atores do lucrativo mercado da beleza no Brasil.
Uma conta simples escancara como o uso cosm?tico das anfetaminas gera lucros milion?rios: dez milh?es de receitas, para tratamentos que duram, em m?dia, at? tr?s meses, significam quanto em termos monet?rios?
O uso desenfreado das anfetaminas tem uma base concreta, o sofrimento social com o corpo. Tem tamb?m um custo social nada desprez?vel: s?o os sistemas de sa?de e previd?ncia e as fam?lias que arcam com as trag?dias causadas pelos efeitos colaterais do consumo cosm?tico de algo que deveria ser utilizado quase exclusivamente pelos obesos m?rbidos.
Tristeza, sofrimento e desespero s?o as express?es de um sofrimento social dif?cil de ser combatido, dado que assentado sobre valores t?o fortemente arraigados. Mas a conforma??o com as "coisas do mundo", como diria o poeta, n?o ? nunca a mais s?bia das alternativas. Somos seres condenados a fazer escolhas. Nem sempre f?ceis, por certo. Mas ? sempre melhor ter a oportunidade de faz?-las do que nos quedarmos no c?rculo dos omissos. Em rela??o ?s anfetaminas, a ANVISA e os conselhos de medicina podem (e devem) fazer muito. Do monitoramento das receitas m?dicas ao controle da propaganda dos rem?dios. O que n?o ? poss?vel ? deixar ao livre jogo das for?as do mercado, como idealizam n?o poucos, quest?o t?o decisiva.
Edmilson Lopes J?nior ? professor de sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).Fale com Edmilson Lopes J?nior: edmilsonlopesjr@terra.com.br Opini?es expressas aqui s?o de exclusiva responsabilidade do autor e n?o necessariamente est?o de acordo com os par?metros editoriais de Terra Magazine.